1 de março de 2013

Desigualdade diminui no Brasil e sobe nos outros Brics





Marcelo Neri, presidente do Ipea: alguns países mostraram interesse em programas brasileiros, como o Bolsa Família.



Conjuntura, Valor Económico, 1/3/2013

Diferença de renda no Brasil é a menor desde a década de 60

Tainara Machado

A desigualdade de renda no Brasil, embora ainda bastante elevada para padrões internacionais, atingiu em 2011 o menor patamar desde a década de 60, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O movimento observado no Brasil ocorreu na contramão da tendência mundial, já que em dois terços dos países houve aumento da desigualdade no período recente, segundo a Unesco. Locomotivas do crescimento global na última década, a Índia e a China, por exemplo, não conseguiram avançar com distribuição de renda, embora tenham reduzido os níveis de pobreza.
No Brasil, o coeficiente de Gini, indicador que é referência na medição da distribuição de renda, alcançou em 1990 o pico para os últimos 50 anos, quando marcou 0,607 pontos, de acordo com levantamento feito pelo Ipea. Desde então, o índice traçou uma curva decrescente e caiu para 0,527 em 2011, patamar semelhante ao observado no início da década de 60, quando esse acompanhamento começou a ser feito no país.
A redução foi significativa no período. Economistas costumam ressaltar que, no caso do índice de Gini, a segunda casa decimal tem destacada importância, porque a escala varia apenas de zero a um, sendo que coeficiente um significaria que apenas um único indivíduo concentra toda a renda da sociedade. Em zero, todas as pessoas teriam a mesma renda.
Segundo comunicado do Ipea intitulado "A Década Inclusiva", a renda do trabalho foi essencial para a forte - e inédita -- redução de desigualdade no Brasil nos últimos dez anos, responsável por cerca de dois terços da queda de pouco mais de 10% do coeficiente de Gini no período. Ao mesmo tempo, ressalta o instituto, sem as políticas de redistribuição de renda patrocinadas pelo Estado brasileiro desde o início dos anos 2000, a desigualdade teria caído 36% a menos na década passada.
Marcelo Neri, presidente do Ipea, afirma que alguns países onde há aumento da concentração de riqueza, como é o caso da China, já mostraram interesse em programas brasileiros, como o Bolsa Família. Lá, assim como no Brasil das décadas de 60 e 70, houve redução da pobreza, mas a renda ficou mais concentrada.
Isso ocorreu, segundo dados compilados pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), porque embora o crescimento da renda da parte mais pobre da população tenha sido forte nos emergentes, os mais ricos tiveram salto ainda maior.
No Brasil, foi o contrário. Nos últimos dez anos, os salários dos 20% mais pobres cresceram 6,3% ao ano, atrás apenas da China entre os países que compõem os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Já o rendimento do quinto mais rico da sociedade avançou apenas 1,7% ao ano no país neste período. Na China, a alta foi de 15%. "No meio do milagre econômico chinês, há um certo purgatório social", afirma Neri.
João Pedro Azevedo, economista-sênior da Unidade de Pobreza, Gênero e Equidade do Banco Mundial para a região da América Latina e Caribe, lembra que, apesar do aumento de concentração de riqueza, a pobreza na Ásia caiu drasticamente nos últimos anos, resultado do expressivo crescimento desses países no período.
Para Neri, no entanto, é possível que o avanço forte da economia e do setor manufatureiro chineses na última década tenha levado a aumento expressivo da demanda por pessoas mais qualificadas, o que puxou a alta dos rendimentos no topo da escala social. No Brasil, esse processo ocorreu principalmente durante o "milagre econômico" da década de 70, que elevou as disparidades internas de renda, processo que só começou a ser revertido nos últimos dez anos.
É por isso, diz Neri, que "o Brasil não tem sido o país do futuro, e sim do passado". Ou seja, a inclusão de uma parcela expressiva da população ao mercado de trabalho formal, associada à política de valorização do salário mínimo, está corrigindo distorções criadas em décadas anteriores, e não levando o desenvolvimento brasileiro a um novo patamar.
O aumento do nível de emprego formal e do rendimento real, em sua avaliação, tornam esse movimento mais sustentável no longo prazo. De acordo com dados disponíveis até agosto, o Ipea calcula que o coeficiente de Gini caiu mais 1,6% em 2012, em função tanto do aumento da renda quanto da população ocupada.
Além disso, Ana Maria Barufi, economista do departamento de análise e pesquisa econômica do Bradesco, lembra que os setores que demandam mão de obra menos qualificada, como construção civil e serviços, foram os que mais cresceram e abriram postos de trabalho no período.
Segundo dados da Pnad elaborados pelo Bradesco, o rendimento médio do trabalho das pessoas sem instrução aumentou 74% entre 2004 e 2011. Nesse período, os salários dos indivíduos com ensino médio incompleto cresceram 21,6% e, no caso da população com superior completo, o avanço foi de 2,1%.
Ana Maria afirma que, embora venha caindo, ainda existe um diferencial significativo de salários em função do grau de escolaridade. Os anos de estudo estão aumentando, afirma, e a expectativa é que se avance também na qualidade da educação, o que tornará a população mais produtiva, com salários mais elevados.
É por isso, diz, que mesmo com taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, o que pode ter alguma consequência negativa para o potencial de crescimento, a desigualdade deve continuar a cair nos próximos anos.
Para Azevedo, do Banco Mundial, a demografia pode colocar um risco para a continuidade do processo de avanços na distribuição de renda nos últimos anos, principalmente se ações destinadas a elevar a produtividade do trabalhador, como melhora do nível educacional, continuarem estagnadas.
O país, afirma o economista, tem hoje taxa de dependência (proporção de adultos em idade ativa em relação a crianças e idosos) mais baixa, mas o envelhecimento da população, como já mostrou a experiência europeia, aprofunda desigualdades. "A taxa de fertilidade já é inferior à de reprodução, e isso pode ter consequências para o processo de redução da pobreza e desigualdade."
Azevedo ressalta também que, apesar do salto dado pelo Brasil e pela América Latina como um todo, a região continua a ser de grandes contrastes econômicos. "O país mais igualitário da América Latina ainda tem índices piores do que o mais desigual na Europa", afirma.


Ipea observa melhora em 13 países da América Latina
Por De São PauloO Brasil não ficou sozinho no processo de melhora da distribuição de renda na última década. Na América Latina como um todo houve relevante redução da pobreza e diminuição da distância entre as rendas dos mais pobres e dos mais ricos, embora ainda sejam países bastante desiguais.
Para Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os programas de transferência de renda tiveram papel importante nessa mudança, mas foram a estabilização econômica e o fortalecimento das instituições democráticas que forneceram as bases para que a década fosse marcada pela inclusão social e distribuição mais equânime dos rendimentos na região.
Segundo o Ipea, em 13 dos 17 países do continente houve marcada redução da desigualdade nos últimos dez anos, em que as principais exceções são o Uruguai e a Costa Rica, justamente os mais igualitários entre os latino-americanos.
O ano de 2008 foi o primeiro em que houve redução no nível de pobreza e do número absoluto de pobres em todas as regiões do mundo em desenvolvimento, segundo o Banco Mundial, que começou a compilar essas informações no fim dos anos 80.
O órgão, em estudo que foi divulgado no fim do ano passado, mostrou que o crescimento na última década, aliado ao bônus demográfico e à evolução nas condições do mercado de trabalho, são os fatores preponderantes para explicar a redução da pobreza em países em que essa queda foi marcante.
O levantamento, produzido por cinco economistas, entre eles o brasileiro João Pedro Azevedo, economista sênior da Unidade de Pobreza, Gênero e Equidade do Banco Mundial para a região da América Latina e Caribe, acompanhou 16 países, a grande maioria deles emergentes, que foram bem sucedidos em reduzir o contingente de pobres na última década.
O critério usado para seleção foi redução de 1 ponto percentual ou mais ao ano no nível de pobreza moderada nessas países. Em dez das 16 nações - Gana, Nepal, Bangladesh, Chile, Equador, Honduras, Argentina, Brasil, Colômbia, Panamá, Tailândia e Peru - o avanço da renda do trabalho e da condição de ocupação explicam mais da metade da queda da parcela da população que vive em condições moderadas de pobreza, com US$ 4 por dia para subsistência.
"O trabalho é o principal ativo da camada mais pobre da sociedade, portanto, por variados mecanismos, a renda do trabalho é potencialmente o principal fator para sair da pobreza", notam os economistas no estudo. Entre esses componentes, João Pedro Azevedo, um dos autores do estudo, estão considerados tanto aumentos de salários quanto aumento do nível de ocupação.
Na Costa Rica e no Paraguai, fatores demográficos, como a expansão da população em idade ativa, foram preponderantes para a redução da pobreza, enquanto transferências públicas e privadas (nesse caso, remessas de dinheiro vindas de parentes que trabalham em outros países) tiveram papel essencial para essa diminuição na Romênia e na Moldávia.
No entanto, para a redução da profundidade da pobreza - o que equivale a aproximar as pessoas das linhas extremas de miséria, dada pela população que vive com menos de US$ 2,50 por dia -, as transferências de renda públicas e privadas tendem a ser mais importantes. É o caso de Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Romênia e Tailândia.
João Pedro Azevedo afirma que embora o mercado de trabalho tenha papel preponderante na maioria dos países estudados, o componente demográfico não deixa de ser relevante. "A América Latina, por exemplo, passa por um período de bônus demográfico, em que a razão de dependência é relativamente baixa." Ou seja, há mais pessoas em idade economicamente ativa do que jovens e idosos.
No mesmo estudo, os economistas chegaram à conclusão que o crescimento foi mais importante para essa tendência do que a evolução da distribuição de renda em 14 dos 16 países. (TM)

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