7 de março de 2013

Tráfico de Pessoas: Ilegal, violento e muito rentável


Em 26 de fevereiro, o governo federal lançou o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Dentre as medidas enunciadas, estão o aperfeiçoamento da legislação com a tipificação do crime de tráfico para fins de trabalho escravo, trabalho doméstico, venda de órgãos, bem como do tráfico de crianças; a perda de bens dos criminosos; a criação de um cadastro nacional de vítimas e delegacias especializadas; a capacitação de 400 agentes de segurança; a criação de dez postos de atendimento nas regiões de fronteira. A grave problemática do tráfico de pessoas ganhou maior visibilidade com a novela “Salve Jorge”, da TV Globo, ao expor em rede nacional o drama de mulheres exploradas sexualmente no exterior.
De 2005 a 2011, estima-se que 475 brasileiros — na maioria mulheres — foram vítimas de tráfico internacional de pessoas, geralmente voltado para a exploração sexual. Há uma estreita relação entre pobreza e exploração sexual comercial. As rotas de tráfico situam-se, sobretudo, nas regiões mais pobres do Brasil, sendo que a maior concentração está na região Norte (76), seguida da região Nordeste (69). Já as regiões Sudeste e Sul concentram, respectivamente, 35 e 28 rotas de tráfico. O alvo preferencial é a mulher afrodescendente entre 15 e 25 anos, com baixa escolaridade. Os dados nacionais refletem o perfil do tráfico na ordem contemporânea: aproximadamente 80% das pessoas traficadas são mulheres de baixa instrução e renda, vítimas de exploração sexual, em uma sociedade cada vez mais interdependente e globalizada.
O tráfico de seres humanos é uma gravíssima violação a direitos humanos, que, por sua vez, reflete um quadro de outras tantas violações, combinando fatores de gênero, idade e condição socioeconômica.
Em sua feição multifacetada, o tráfico de pessoas mantém uma relação de interdependência com outras violações de direitos humanos, como o trabalho escravo e a exploração sexual. As formas mais comuns de aliciamento para a exploração sexual e o tráfico são as falsas ofertas de emprego, promessas de vida melhor (escola, conhecimento de língua estrangeira, salário etc.) e de casamento. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 2,4 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado como resultado de tráfico de pessoas. Mulheres e meninas representam 98% das vítimas em casos de exploração sexual forçada.
Na atualidade, o tráfico de pessoas constitui uma das práticas mais rentáveis do mundo, juntamente com o tráfico de armas e o tráfico de drogas, chegando a movimentar mais de US$ 12 bilhões ao ano. Perde apenas para o tráfico internacional de drogas como atividade mais rentável do crime organizado transnacional. A Organização Internacional da Migração estima que cerca de 4 milhões de pessoas são traficadas, por ano, no mundo. O tráfico internacional mobiliza 131 rotas, das quais 120 envolvem apenas mulheres.
Neste contexto, há a urgência na adoção de medidas voltadas à prevenção e à repressão ao tráfico, bem como à proteção das vítimas. Dentre os desafios ao enfrentamento do tráfico de pessoas, destacam-se: 1) mapear a situação do tráfico de pessoas (identificando suas causas, alcance, efeitos, bem como suas vítimas); 2) ampliar ações de conscientização pública (envolvendo, por exemplo, a distribuição de filipetas informativas em passaportes, cartazes em aeroportos, nas superintendências da Polícia Federal e em locais de grande circulação); 3) fortalecer serviços de denúncia da prática de tráfico; 4) fomentar programas de treinamento e capacitação para enfrentar o tráfico de pessoas especialmente nas áreas da segurança e da Justiça; 5) avançar na atuação integrada e articulada de instituições, sob a perspectiva multidisciplinar e transetorial, visando à prevenção e repressão ao tráfico, desenvolvendo ações mais incisivas de investigação e de repressão ao crime de tráfico, abrangendo ainda a cooperação internacional; 6) conferir proteção e assistência às vítimas; e 7) identificar e implementar as práticas exitosas para o eficaz combate ao tráfico de pessoas.
Por fim, faz-se necessário enfocar a problemática do tráfico sob a perspectiva de gênero e direitos humanos, reforçando a prevenção e o combate ao tráfico — que tanto tem coisificado pessoas em um dramático desperdício de vidas humanas —, para que se resgate a dignidade, a liberdade, a autonomia e os direitos fundamentais de tantas vítimas.
Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo e professora da PUC-SP

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