Nos dois primeiros anos de mandato da presidente Dilma, somente 31,2% dos recursos prometidos se transformaram em ações para consolidar aplicação da Lei Maria da Penha
Nos dois primeiros anos de governo da presidente Dilma Rousseff, menos de um terço dos recursos destinados ao enfrentamento da violência contra as mulheres foi efetivamente aplicado. A execução abaixo das previsões feitas pelo próprio governo ocorreu apesar de o enfrentamento a esse tipo de violência e a defesa da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, estarem entre as bandeiras do governo petista.
Dados levantados pelo iG apontam que, dos cerca de R$ 84,2 milhões autorizados para o Programa de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, em 2011 e 2012, o governo executou pouco mais de R$ 26,3 milhões, ou seja, 31,2%.
Os recursos foram autorizados para ações fundamentais para a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha, como, por exemplo, a construção de casas-abrigo – para mulheres que denunciam o marido e não podem voltar para suas casas –, além da capacitação dos agentes nas delegacias para atendimento à mulher.
A dificuldade, no entanto, está em fazer com que os recursos se transformem efetivamente em políticas consideradas pelo próprio governo como essenciais para reverter uma marca alcançada pelo Brasil ainda no último ano do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2010, de acordo com o Mapa da Violência 2012, dado mais recente, 4,5 mil mulheres foram assassinadas. Isso apesar dos quatro anos de vigência da Lei Maria da Penha e dos oito anos de existência da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) da Presidência da República.
Evolução dos homicídios femininos no Brasil
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Mapa da Violência 2012
No ano passado, o governo autorizou R$ 50,6 milhões para o Programa de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Desses, somente R$ 14 milhões foram efetivamente executados, ou seja, apenas 27% dos recursos se transformaram em ações na ponta para o atendimento à mulher.
Em 2011, o governo destinou R$ 27,2 milhões para a ampliação da rede de serviços especializados de atendimento à mulher em situação de violência. Somente R$ 7,3 milhões, ou seja, 27,1% dos recursos foram gastos.
Dados: SUS recebe duas mulheres por hora vítimas de abuso
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Já o programa de capacitação de profissionais para atendimento à mulher em situação de violência recebeu autorização para gastar R$ 1,8 milhão. Somente R$ 715,5 mil foram efetivamente pagos.
Neste ano, o total de recursos autorizados para a SPM é recorde: R$ 182 milhões para todas as ações voltadas para a mulher, incluindo o enfrentamento da violência.
Denúncias sem proteção
No primeiro ano do governo Dilma, somente os recursos para a implantação da Central de Atendimento à Mulher, o Disque 180, tiveram execução orçamentária perto da totalidade do montante autorizado. Dos R$ 4,5 milhões autorizados, a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), órgão responsável, pagou R$ 4,1 milhões para a implantação do serviço.
Esse ponto é preocupante no sentido de que o incentivo à denúncia em um ambiente de falhas na rede de proteção possa ser gerador de mais violência. “Não há ainda um dado científico que demonstra isso, mas sempre recebemos a notícia de que mulheres foram mortas pelo marido porque tiveram que voltar para casa depois de os denunciarem nas delegacias”, comentou a cientista política Priscila Caroline Britto, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea), responsável por acompanhar a execução orçamentária das políticas para mulheres.
A advogada Carmen Hein de Campos, que participou do grupo de elaboração da Lei Maria da Penha e atualmente auxilia os trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a violência contra a mulher, relatou um exemplo de como a denúncia sem as medidas de proteção pode levar a morte.
“Na CPMI nos deparamos com um caso no Espírito Santo que tipifica isso. Uma mulher peregrinou pedindo proteção à polícia, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à própria Justiça. Todos os órgãos se negaram a determinar dando as mais diversas alegações. Depois de muito tempo, ela acabou conseguindo a proteção, mas não houve tempo para efetivá-la. O marido, ciente de que havia sido denunciado, invadiu a casa dela e a matou”, relatou a advogada. “Todos os órgãos negaram essa proteção, enquanto todos eles deveriam ter tido e tinham competência para atender ao pedido de imediato”, comentou.
Auditoria
Em março deste ano, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou falhas na atuação do governo especificamente nas ações de formação da rede de proteção. A auditoria, que usou parâmetros expressos na Lei Maria da Penha, apontou problemas como a precariedade de espaços físicos e de recursos humanos, concentração de unidades de atendimento em capitais e regiões metropolitanas e poucas ações voltadas à reabilitação dos agressores.
De acordo com o TCU, a quantidade de centros de referência – unidades integrantes da rede de atendimento –, não chegava a 20% do idealizado pelo governo. As delegacias especializadas estão presentes em menos de 10% dos municípios brasileiros, de acordo com o relatório elaborado pelo ministro Aroldo Cedraz de Oliveira.
Outro problema apontado pelo TCU é que apenas 7% dessas unidades oferecem atendimento 24 horas, sem interrupção nos fins de semana e feriados, quando ocorre o maior número de agressões. O relatório apontou ainda a necessidade de se intensificar a qualificação dos agentes policiais sobre a questão da violência do gênero.
O órgão de controle também determinou que o governo e a Justiça elaborem um plano de ação e que contenha um cronograma de adoção das medidas recomendadas.
Convênios
De acordo com a diretora de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, da SPM, Ana Teresa Iamarino, um grupo de trabalho está debruçado sobre a elaboração do plano que deverá ser entregue ao TCU no próximo mês, dentro do prazo dado pelo órgão controlador.
Ela explicou que, o trabalho tem buscado priorizar a expansão da rede de proteção e, dentre os problemas detectados pela SPM que emperram a execução das ações, está a dificuldade de Estados, municípios e de algumas entidades que militam nessa área de apresentarem projetos que se alinham na lógica do governo de proteger as mulheres.
“No ano passado, de 700 projetos que recebemos, só tivemos como atender 146 propostas. Chega muita coisa que não obedece aos critérios estabelecidos na Lei Maria da Penha para a proteção das mulheres”, destacou a diretora. A dificuldade de entendimento da lei é um entrave e para o governo, ela se dá devido ao pouco tempo de vigência dessa política.
A diretora ponderou que, nos Estados e municípios onde a administração conta com secretarias específicas para tratar do assunto, a situação é melhor já que existe uma divulgação maior dos critérios estabelecidos. Outro problema apontado pela diretora é a situação de inadimplência com a União de boa parte dos municípios brasileiros que acaba impedindo o repasse de recursos.
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