8 de setembro de 2013

MARCELO LEITE 50 tons de verde


Amazônia e caatinga sofrerão redução de chuvas e aumento de temperatura ao longo deste século
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas lança amanhã, em São Paulo, um relatório sumário sobre os efeitos do aquecimento global no país. Resultado de seis anos de trabalho de 345 pesquisadores, que avaliaram tudo que já se publicou de estudos sobre o tema, suas conclusões não são nada boas.
Os biomas (paisagens naturais) sob maior aperto são a floresta amazônica e a caatinga. Ambas sofrerão redução de chuvas e aumento de temperatura ao longo deste século, com resultados preocupantes nos dois casos.
O semiárido nordestino já padece com a pior seca em muitas décadas. Imagine agora se a temperatura média na região se elevar de 3,5°C a 4,5°C, até o ano 2100, e as chuvas diminuírem de 40% a 50%. A transposição do rio São Francisco não vai dar nem para o cheiro, na hora de aplacar a penúria dos pequenos agricultores da caatinga.
Isso, claro, se a mata branca (significado de "caatinga" em tupi), que já perdeu 46% de sua extensão original, não desaparecer de vez até lá. Seria um crime deixá-la morrer. Quem já viu uma caatinga depois das chuvas nunca se esquecerá daqueles tons insistentes de verde. E quem a viu estorricada também penará para apagar da memória aqueles tons perversos de cinza.
Para a Amazônia as previsões do PBMC são quantitativamente mais graves: o aumento de temperatura projetado ficará entre 5°C e 6°C; as chuvas terão queda de 40% a 45%.
O drama humano causado pela mudança do clima, se as previsões do PBMC se confirmarem, será menor na floresta amazônica do que na caatinga (o Norte tem menos de um terço da população do Nordeste). Mas uma transformação de proporções bíblicas pode mudar para sempre aquele bioma, que já teve destruídos 752 mil km2 --uma Espanha e meia-- da cobertura original.
A cifra pode parecer grande, mas representa só 19% da mata que havia lá. A Amazônia é grande demais, a maior floresta chuvosa do planeta. Grande, mas não indestrutível.
Especialistas em ecologia temem que uma conjunção de fatores adversos conspirem contra a Amazônia para converter boa parte dela em cerrado. Esse fantasma assombra com o nome de "savanização".
O primeiro fator seria um repique no desmatamento. É verdade que a taxa anual de destruição despencou de 27 mil km2, numa década, para menos de 6.000 km2.
Mas, com a força parlamentar conquistada pelos ruralistas, um retrocesso nas medidas de combate ao desmatamento pode bem desatar de novo a sangria.
Outro fator é a degradação da mata pela retirada ilegal da madeira. Uma atividade difícil de espionar com satélites, que não deixa cicatrizes tão óbvias aos sensores quanto o corte raso, mas há indícios de que continua comendo solta. Mais áreas abertas significam mais luz que penetra o dossel da mata e resseca os detritos no chão, como as folhas, que se tornam mais inflamáveis.
Adicione-se, por fim, o fator de queda de chuvas e aumento de temperatura, que agravam o risco de incêndios rasteiros que, por sua vez, também ressecam a floresta por dentro. Uma tempestade seca e perfeita, de fogo.
Brasil, como se sabe, vem de "brasa". Se um dia o país conseguir apagar os muitos tons de verde de suas matas, toda a perversidade desse nome virá à tona.
Folha de S.Paulo, 8/9/2013

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