30 de novembro de 2014

Repressão fomenta protestos, diz historiador

ENTREVISTA ROBERT SELF

Para Robert Self, Obama não quis desafiar apoio público à polícia no caso de Ferguson

RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON, Folha de S.Paulo, 30/11/2014
A repressão policial já era dura e, em parte, fomentava os protestos violentos da comunidade negra desde os anos das manifestações pacifistas de Martin Luther King (1929-1968), opina o historiador Robert Self, professor da Universidade Brown e autor de "American Babylon", em que descreve as tensões raciais de Oakland (Califórnia).
Segundo Self, mesmo diante de saques e violência surgidos após a decisão que inocentou o policial branco que matou o jovem negro Michael Brown, em Ferguson (Missouri), "ninguém se perguntou por que há setores tão grandes da população tão alienados pelo Estado a ponto de achar que a violência é a única forma de serem ouvidos".
Self chama de "decepcionantes" as declarações do presidente dos EUA, Barack Obama, sobre Ferguson. "Há um majoritário apoio público à polícia que ele não quis desafiar", afirma.
Leia trechos da entrevista.
PROTESTO PACÍFICO
Muita gente fica cobrando o movimento negro: "Por que vocês não protestam como o Martin Luther King, de forma pacífica?". A mídia já esqueceu como ele era visto pelas forças de segurança da época.
Ele não era tratado de forma pacífica pela polícia. Foi preso diversas vezes.
Temos hoje uma visão que compromete o Martin Luther King real. Ele foi um personagem bastante perturbador. Pergunte como a polícia, o FBI e os demais o viam. E o tipo de repressão que suas manifestações pacíficas encontravam.
CADEIA PARA PROBLEMAS
Há grandes culpados pela rebelião e pela destruição em Ferguson --como o fracasso da guerra às drogas, que colocou na cadeia milhões de jovens negros, nos deixando com a maior taxa de encarceramento do planeta.
Preferimos colocar na cadeia as pessoas que não conseguimos recuperar fora dela. Isso só piora com a extrema militarização da nossa polícia, o que se radicalizou depois do 11 de Setembro.
POBREZA RACIALIZADA
Nosso sistema político não consegue enfrentar ou está totalmente desatento ao empobrecimento e ao desemprego da população negra urbana nos EUA.
Nosso sistema educativo é financiado a partir da divisão racial de nossas cidades [a educação pública é financiada pelo equivalente ao IPTU, o imposto de imóveis local; bairros de maioria branca, mais ricos, têm escolas públicas muito mais ricas do que as que se localizam nos chamados guetos negros].
Nossa classe média transformou seus imóveis em sua poupança.
Com a crise de 2008 e a queda dos imóveis, a comunidade negra se empobreceu mais que as demais.
OBAMA E A POLÍCIA
Quando Obama fala de raça no contexto de gente comum, quando Trayvon Martin foi morto por um vizinho, ele foi eloquente e emocionante.
Mas, quando confrontado com a ação de policiais, ele é bem mais cauteloso.
A relação entre o governo nacional e as polícias nacionais é delicada e complexa. Talvez exigir responsabilidades da polícia não seja interesse de seu partido.
Os comentários do presidente sobre o que aconteceu em Ferguson foram bem decepcionantes. Ele apenas fez uma observação sutil sobre a falta de confiança entre afro-americanos e a polícia.
Há pouco que o presidente possa fazer nesse assunto, mas o Departamento de Justiça pode abrir um processo por violação dos direitos civis.
ALIENAÇÃO
A pergunta que devemos fazer é: por que temos tantos cidadãos que acham que só destruindo o que há à sua volta poderão ser ouvidos?
Houve uma atitude de inevitabilidade após Ferguson, como se a única resposta fosse uma grande rebelião.
Rebeliões têm acontecido ao longo da história americana. Elas são de dois tipos.
O primeiro é a dos despossuídos contra a autoridade ou a elite. Há uma longa tradição, desde o século 18.
O segundo tipo é a de brancos das mais diferentes classes sociais matando negros ou destruindo propriedade de negros ou de outras raças não brancas, como a perseguição aos chineses em 1880.
A violência sempre reforçou o sistema racial dos EUA.

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