5 de dezembro de 2014

HÉLIO SCHWARTSMAN O lado bom da corrupção


SÃO PAULO - Parafraseando Clemenceau, corrupção é algo sério demais para ser confiado a políticos, promotores e juízes. Nem que seja por amor à arte, vale a pena dar uma olhada no que dizem os biólogos.
A primeira surpresa é constatar que não se trata de um fenômeno exclusivamente humano. Ainda que nossa espécie se esmere na matéria, comportamentos que podemos qualificar como corruptos já foram observados em vespas e formigas, o que é um bom indicativo de que, além das reconhecidas razões culturais, a trapaça social tem base biológica.
Edgar Duéñez-Guzmán, da Universidade de Leuven e de Harvard, tem artigos interessantes sobre o assunto. Resumindo uma história longa e despojando-a de suas equações e matrizes, a punição é uma ferramenta útil para impedir que indivíduos egoístas tirem proveito do grupo. O problema é que punir trapaceiros implica custos para quem o faz. O sujeito perde tempo, recursos e às vezes ainda se torna alvo de retaliação do bandido. A seleção natural tende, assim, a eliminar punidores ou, ao menos, ensiná-los a ficar na sua.
Na prática, porém, vemos que vingadores existem. Uma possibilidade matemática de tornar sua atuação estável, diz Duéñez, é a corrupção. Se a sociedade tolera que punidores ajam de forma egoísta em troca de seu esforços, há benefício para o grupo, que vê reduzida a proporção dos indivíduos que não cooperam.
Mas, se isso fosse tudo, todas as sociedades humanas seriam igualmente corruptas, e o que observamos é que os níveis de desregramento variam e são inversamente proporcionais ao grau de prosperidade do grupo. Duéñez sugere que a corrupção é uma forma subótima de manter a cooperação, podendo ser substituída, com vantagens, por outros elementos, como salários para os punidores, ganhos reputacionais etc.
É essa transição do estilo mafioso de manter a ordem para o institucional que o Brasil ainda não concluiu.
Folha de S.Paulo, 55/12/2014

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