6 de dezembro de 2016

Ensinar não é trivial, Priscila Cruz


Estado de Sao Paulo, 6/12/2016
Não há como ter bons resultados se os docentes não souberem como dar boas aulas
Vou contar aqui uma história fictícia, mas baseada em histórias que se repetem em todo o País há muitos anos. Joana, que estudou a vida inteira em escola pública, é a primeira pessoa da sua família a ter frequentado a universidade, para enorme orgulho de sua mãe. Pouco depois da emocionante cerimônia de colação de grau, Joana prestou um concurso público e rapidamente já está à frente de uma classe do quinto ano do ensino fundamental. Prepara com muito zelo a sua primeira aula, inspirando-se nas que tivera com seus professores na escola, muito mais do que nas que tivera na faculdade.
Joana sente-se insegura, como é comum no primeiro dia de trabalho de qualquer profissional, e torce para que os alunos se comportem e reajam aos seus questionamentos conforme o esperado. Expectativa frustrada: um grupo combina o jogo de futebol do intervalo, outros alunos estão mais interessados num jogo eletrônico e alguns copiam freneticamente o que está na lousa. Ela faz uma pergunta cuja função é ajudar os alunos a construir um raciocínio que será o gancho para os últimos dez minutos de aula. Ninguém responde. Tenta outra abordagem e um aluno faz um comentário completamente inesperado. Joana tenta se lembrar se aprendeu algo na faculdade que a socorra agora – e nada. Ufa, ainda bem que o sinal toca. Fica para a próxima aula. E para a seguinte.
Depois de muitas aulas e alguns anos, Joana aprende algumas boas estratégias de ensino. Mas como seu trabalho é totalmente isolado e sua escola não aproveita bem os horários reservados à interação dos docentes, não há momentos de troca de experiências com outros professores, novatos e veteranos, que a ajudem ou se beneficiem com suas dúvidas. Quase não há trabalho colaborativo, muito menos liderado e apoiado pelo coordenador pedagógico.
Na formação continuada, promovida pela Secretaria de Educação, Joana assiste a algumas palestras e depois vai para casa pensando em como usar o que ouviu. Não se encaixa no contexto, mas ela pensa: pelo menos acumulei mais tempo de formação para subir na carreira. Essa história é muito mais comum do que deveria.
Não acredito que haja outra área ou profissão tão importante, estratégica e complexa como essa e que, apesar disso, seja tão pouco valorizada pelos governos e pela sociedade, especialmente no que tange à formação e ao contínuo aperfeiçoamento. O ato de ensinar é extremamente complexo e, além de uma formação sólida, exige constantes adequações dos professores às mudanças causadas pelos avanços científicos e pela evolução das sociedades. Infelizmente, acabamos por não entender e subestimamos o que deveria ser feito para melhorar efetivamente a formação do docente no dia a dia. O resultado é bem conhecido: a proficiência dos alunos da educação básica segue mais o padrão da sua condição socioeconômica do que o efeito que a escola deveria ter em seu aprendizado.
A solução seria, então, mais cobrança e responsabilização? Ou mais autonomia para os professores? As pesquisas já se mostraram inconclusivas em relação a ambos os caminhos, por uma razão muito simples, mas constantemente esquecida pelos gestores: não há como ter resultados, seja qual for a estratégia de gestão, se os docentes não souberem como dar boas aulas. Falta aos professores uma série de conhecimentos e habilidades imprescindíveis ao exercício da profissão, que eles não tiveram a oportunidade de aprender e de atualizar. A ciência da educação é complexa, mas “ensinável”. Trivializar a formação dos professores é um dos fatores que mais contribuem para que, mesmo com os investimentos feitos em educação básica, os resultados não apareçam na mesma proporção.
Se levarmos mesmo a sério a formação dos professores, daremos um salto no sentido de corrigir de uma vez por todas o rumo da educação, garantindo a necessária equidade de oportunidades para que milhões de crianças e jovens rompam o ciclo geracional de pobreza. É claro que essa reflexão precisa dar-se também no âmbito da formação inicial dos professores, mas para os 2,2 milhões que já estão em sala de aula é na formação continuada que mora a oportunidade de mudança mais imediata.
E a formação continuada e efetiva de professores está ao alcance dos gestores educacionais. Mais do que isso: é uma das poucas políticas educacionais que, de acordo com as evidências, quando bem estruturada, dá resultados que, além de duradouros, podem ser rapidamente ampliados.
Atuais governadores e secretários estaduais, futuros prefeitos e secretários municipais de Educação: saber como investir bem em educação os 25% dos recursos provenientes dos impostos que pagamos não é fácil. Então, façam da formação continuada dos professores de sua rede a sua grande obsessão. Certamente esse será um dos maiores legados que vão deixar para os alunos e professores. Incluam no seu plano o papel estratégico dos coordenadores pedagógicos. Façam dos encontros de formação espaços aos quais os professores possam trazer questões práticas, nos quais eles tenham a oportunidade de refletir a partir das mais eficazes teorias, trocar experiências com outros professores, simular aulas inovadoras, aproveitar cada minuto para trabalhar em rede com colegas e especialistas, de modo que possam resolver questões cotidianas próximas e imediatas.
Dar aulas é um exercício desafiador, que exige muita energia, mesmo dos professores mais bem preparados. Tão importante e tão pouco valorizado. Até pela própria sociedade, que deveria enxergar nos professores seus maiores aliados. Mudar essa realidade certamente pode alterar os rumos da educação e do Brasil.
Na escola pública de qualidade está a saída para um País melhor para todos, principalmente para os mais pobres.
*Mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School, é fundadora e presidente executiva do Movimento Todos Pela Educação

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