Mundo assiste impassível a massacre de inacreditáveis proporções na Síria, com ou sem armas químicas
É difícil discordar do que diz o ativista sírio Mohammed Said à Associated Press a respeito do ataque, supostamente com armas químicas, que o regime sírio promoveu ontem em subúrbios de Damasco:
"Bashar está usando armas químicas e dizendo ao mundo que ele não se importa [com a inspeção da ONU, iniciada na segunda-feira]".
De fato, o ditador sírio Bashar al-Assad não se importa nem com o que o mundo diz nem com a sua própria população desde que iniciou uma bárbara repressão aos protestos que pedem democracia, há dois anos e meio, transformados depois em uma guerra civil que acentuou a barbárie --de ambos os lados.
É bem provável que jamais se saiba a verdade sobre os ataques de ontem, mas é sempre bom lembrar duas coisas essenciais sobre a guerra que acontece na Síria:
1 - Começou com protestos em massa, perfeitamente admissíveis se o regime não fosse uma ditadura selvagem. Só virou guerra civil depois que a oposição a Assad resolveu que, morrer por morrer, era mais digno morrer matando.
2 - Não é a primeira vez que ataques com armas químicas são denunciados nos subúrbios de Damasco. Em maio, o "Monde" informara que, em Jobar, uma das áreas que ontem foi atacada (de novo), seus repórteres haviam sido testemunhas do uso repetido de armas químicas.
Um dos médicos então ouvidos em Jobar contara ao jornal os sintomas que observara nas vítimas. Eram, no geral, idênticos aos denunciados após os ataques de ontem: "Chegavam [ao hospital] com pupilas dilatadas, membros gelados e espuma na boca", contou à Reuters a enfermeira Bayan Baker.
Mesmo que armas químicas não tenham sido usadas ontem, o teor de barbárie na Síria não se reduz. Basta ler o relatório de Paulo Sérgio Pinheiro, o brasileiro que preside a Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria:
"A Síria está em queda livre. Bombardeios incessantes mataram milhares de civis e deslocaram a população de cidades inteiras. Número desconhecido de homens e mulheres desapareceram quando passavam pelos ubíquos check-points'. Os liberados da detenção estão vivendo com cicatrizes físicas e mentais da tortura".
"Hospitais foram bombardeados, deixando os doentes e feridos definhando sem cuidados. Com a destruição de milhares de escolas, uma geração de crianças agora luta para obter educação".
"Quatro milhões e meio de pessoas estão deslocadas internamente, 18 milhões permanecem em suas casas [como virtuais prisioneiros], o custo estimado do conflito para a economia síria é de US$ 60 bilhões a US$ 80 bilhões, um terço de seu PIB pré-guerra. Mais de 2,5 milhões de sírios estão agora desempregados e lutando para sobreviver".
Mais: "Crimes que chocam a consciência tornaram-se uma terrível realidade diária na Síria".
Nem todas as consciências se chocam, a julgar pela passividade com que a comunidade internacional assiste ao desenrolar da carnificina, como se fosse um videogame, e não a "terrível realidade diária na Síria", que, ontem, parece ter subido um degrau na barbárie.
crossi@uol.com.br Folha de S.Paulo, 22/8/2013
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