Discurso de Obama enaltece Martin Luther King e luta por direitos civis, mas relembra desafio para reduzir desigualdade econômica
Saiu-se bem o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, Barack Obama, na tarefa de homenagear os 50 anos da Marcha sobre Washington por Empregos e Liberdade --símbolo da luta pelos direitos civis na década de 1960, sobretudo pelo célebre discurso "Eu tenho um sonho", de Martin Luther King.Na mesma escadaria do Memorial de Lincoln --presidente que pôs fim à escravidão no país, em 1863--, Obama afirmou que as palavras de King ainda não foram igualadas em "poder e profecia", mas não deixou de ponderar que muitos desafios persistem em pauta após essas cinco décadas.
Fez questão de explicitar, a esse respeito, que aquela marcha cinquentenária não só combatia a injustificável opressão contra negros mas também clamava por maiores oportunidades econômicas.
São muitos, sem dúvida, os avanços conquistados desde então. Já na década de 1960, com a Lei dos Direitos Civis (1964) e a Lei do Direito ao Voto (1965), foram proibidas as formas de segregação oficial que prevaleciam sobretudo nos Estados do Sul dos EUA.
Chega a ser inimaginável, hoje, que negros fossem na prática impedidos de votar por causa da cor de sua pele, ou que o transporte público e estabelecimentos comerciais tivessem espaços destinados para "pessoas de cor", a fim de que os brancos não se misturassem com elas.
Mas era esse o pano de fundo de segregação e preconceito do evento de 28 de agosto de 1963, que reuniu mais de 250 mil pessoas na capital americana e amplificou um dos mais famosos bordões da história. "Eu tenho um sonho" foi, naquele discurso, um improviso em relação ao texto original, mas o refrão já aparecera nas pregações do pastor Martin Luther King.
Seu sonho por um futuro mais justo para todos os norte-americanos virou, em boa parte, realidade no plano dos direitos. No campo econômico, entretanto, ainda vale outra frase de efeito de King: "O negro vive em uma ilha solitária de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material".
Permanecem profundas as disparidades nos níveis de renda. Em 1967, a remuneração média de um negro equivalia a 54% da de um branco. Em 2011, a relação passou a 65% --enquanto a renda média de um negro é de US$ 18.988, a de um branco chega a US$ 29.401.
Além disso, em 2010, 15,1% da população americana estava abaixo da linha de pobreza. Entre os negros, o percentual era muito superior: 27,4%. A situação é estável desde os anos 1960, quando houve expressivo avanço nesse aspecto: o percentual de negros pobres caiu de 55% para 32% entre 1959 e 1969.
Também nos índices de desemprego se reflete a desigualdade: em 1963, eram de 10,9% para negros, 5,5% entre os brancos; em 2012, 14% e 6,1%, respectivamente.
Desafiado pela oportunidade histórica, Obama compreendeu que não faria sentido apresentar um novo sonho sem que a visão de Martin Luther King estivesse completa. Preferiu, de forma hábil, usar a imagem de um país ainda em marcha para concretizar os ideais de liberdade e justiça para todos.
O Globo, 29/8/2013
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