25 de agosto de 2013 | 2h 13
O Estado de S.Paulo
Da audiência pública realizada há dias na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado para debater o processo de governança da internet brasileira e examinar as questões que retardam a apreciação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei que estabelece o Marco Civil da Internet, os poucos senadores que dela participaram devem ter saído com uma certeza: o governo está dividido a respeito desse tema.
Enquanto uma parte do governo quer manter e aperfeiçoar o atual modelo, considerado um dos melhores do mundo, outra tenta alterá-lo, para ter mais influência nele. Mais do que uma disputa por poder entre técnicos e burocratas, no entanto, a divisão dentro do governo parece refletir os interesses conflitantes das empresas que, direta ou indiretamente, atuam no tráfego de informações, documentos, dados e imagens pela rede mundial de computadores.
Como mostrou a reportagem de Renato Cruz publicada pelo Estado (22/8), as grandes empresas operadoras de telecomunicações querem alterar o atual modelo, para que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) assuma o papel de órgão regulador da internet.
Não há, no modelo brasileiro, um órgão que tenha a função de regular e fiscalizar o setor, como é o papel da Anatel na área de telecomunicações. O que existe desde 1995, sem que sua atuação tenha sido contestada, é um órgão responsável pela coordenação e integração dos serviços de internet no País e que tem também a responsabilidade de promover a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços. Trata-se do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), composto por representantes do governo, das empresas, do terceiro setor e da comunidade acadêmica.
Para desempenhar suas atividades, o CGI.br criou uma entidade civil sem fins lucrativos, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), que, entre outras missões, tem a de administrar os endereços da internet com final br. Além disso, o CGI.br tem centros de estudos de segurança na internet e de tecnologias de informação e comunicação.
A vigorosa expansão da internet no Brasil deveu-se ao fato de que, ao contrário das telecomunicações - que necessitam de concessão e licença -, ela é livre. "Travar a internet, tornando-a regulada pela Anatel, vai minar a inovação, o empreendedorismo e a competitividade nacional, além dos riscos de controle quanto ao que fazem usuários e provedores de conteúdo", advertiu o diretor-presidente do NIC.br, Demi Getschko, em entrevista ao Estado.
Ao contrário da Anatel, o CGI.br não pode criar regras, e dele participam os diferentes segmentos do setor. Sua função é a de recomendar políticas públicas, mas ele não tem poder para colocá-las em prática. É da iniciativa do CGI.br o projeto do novo Marco Civil da Internet.
Na audiência no Senado e em declarações a este jornal, o conselheiro da Anatel Marcelo Bechara propôs mudanças no CGI.br, do qual é integrante, pois, "muita coisa mudou desde a chegada da internet comercial ao Brasil em 1995".
A pressão das teles por mudanças no projeto do novo marco da internet é no sentido de ampliar os poderes da Anatel. Já as empresas de internet temem que isso acabará engessando o setor, o que reduzirá seu ritmo de expansão e as consequências positivas que essa expansão vem propiciando.
A grande questão que divide os técnicos e os políticos é a definição precisa do conceito de neutralidade na rede. Explicitamente ninguém é contra a neutralidade. Ela é mencionada no regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia aprovado pela Anatel em maio e que trata do acesso à internet. Mas o Ministério das Comunicações vem considerando a internet como um "negócio", que exige garantias para o "equilíbrio financeiro" das operadoras. Isso pode significar que alguns dados, cuja transmissão seja mais barata, ou alguns usuários, que paguem mais pelos serviços, tenham preferência sobre outros. Isso fere o princípio da neutralidade contido no projeto do marco civil, que assegura isonomia no acesso e tratamento igual de qualquer tipo de tráfego.
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