11 de agosto de 2013

Triplica parcela de jovens internados por tráfico

Percentual era de 7,5% entre os detidos em 2002 e chegou a 26,6% em 2011
Levantamento mostra aumento de apreensão por esse tipo de crime na maioria dos Estados brasileiros
ÉRICA FRAGAAFONSO BENITESDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 10/8.2013

"Com 16 anos, eu comecei como aviãozinho, fui crescendo de cargo, virei traficante, depois gerente, depois conquistei um espaço só meu, virei dono de uma boca."
A ascensão de T., hoje com 18 anos, na carreira de tráfico de entorpecentes foi rápida e curta. Há sete meses, está internado na Fundação Casa (antiga Febem), depois de ter sido detido por policiais.
T. e outros três adolescentes apreendidos nas unidades Casa Osasco 1 e 2, em São Paulo, relatam ser fácil conseguir um espaço na comercialização de drogas ilícitas.
"Sempre começa com alguém que te chama. Só basta você querer. Se você falar não, é não", diz F., 15.
O número de jovens que, como T. e F., não conseguiram dizer não ao tráfico de drogas, apesar da expansão do emprego formal e do aumento da escolaridade nos últimos anos, explodiu.
Eles representavam 7,5% dos adolescentes que cumpriam medida de restrição de liberdade em 2002, segundo a Secretaria de Direitos Humanos (SDH).
Em uma década, esse percentual mais do que triplicou, atingindo 26,6% em 2011. A expansão ocorreu em 22 das 27 unidades da federação.
Levantamento feito pela Folha mostra que a tendência de expansão continua. Entre 14 Estados que forneceram dados, 10 registraram aumento da incidência de tráfico entre adolescentes infratores.
A causa mais citada por especialistas para o maior número de jovens traficantes é o crescimento do consumo de drogas no país.
"Existe uma grande epidemia de consumo de crack, que você consegue comprar até por R$ 0,50", diz Joelza Mesquita Andrade Pires, presidente da fundação de atendimento socioeducativo do Rio Grande do Sul.
A dificuldade que os jovens, principalmente os de famílias com menor renda, enfrentam para entrar no mercado de trabalho formal também é ressaltada.
A maioria dos adolescentes infratores abandonou os estudos ou apresenta defasagem de série na escola.
"O jovem que tem formação educacional ruim e não consegue colocação no mercado de trabalho é recebido de braços abertos no tráfico", diz Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa. "Os menores são mão de obra farta e barata para o tráfico."
A fatia de jovens internados por tráfico em 2011 (26,6% do total) era maior que a de adultos presos pelo mesmo motivo (24,4%). Hoje, o tráfico só perde para o roubo entre os delitos que levam à apreensão de adolescentes.

Salários de jovens no tráfico são 23% maiores, diz estudo
Educação não contribui para ascensão no comércio de drogas; experiência e lealdade fazem renda aumentar
Adolescentes dizem que desejo de consumo de roupas, eletrônicos e drogas contribuiu para entrada no tráfico
DE SÃO PAULOA educação, indispensável para conseguir uma colocação no mercado de trabalho formal, não tem valor para as carreiras no tráfico de drogas.
A descoberta foi feita pelos acadêmicos Leandro Carvalho (University of Southern California) e Rodrigo Soares (FGV-SP), que divulgaram recentemente um estudo sobre o caminho dos jovens no tráfico nas favelas cariocas.
"Era de se esperar que jovens com melhor nível educacional tivessem maior facilidade de ascender no tráfico por conseguir fazer contas e até pela capacidade de liderar", diz Soares.
Mas os fatores que contam para crescer no mercado de drogas ilegais são: experiência, participação em conflitos armados e lealdade. Segundo o estudo, cada ano a mais de trabalho leva a uma remuneração 10% maior para os jovens traficantes.
Os dados analisados por Carvalho e Soares foram levantados pela ONG Observatório de Favelas em meados da década passada.
Segundo os economistas, naquele momento, o ganho dos jovens traficantes era em média 23% maior do que o salário de outros adolescentes moradores de favelas e empregados em atividades lícitas.
CONSUMO
Quatro jovens internados na Fundação Casa (SP) citam o desejo de comprar bens, como roupas e aparelhos eletrônicos, como principal motivação para entrar no tráfico.
"Quero ver chegar lá num baile de chinelo e de bermuda e catar alguém. Se tiver mais elegante, com umas roupas da hora, é mais fácil", diz F., 15.
G., 15, afirma que os ganhos do tráfico (R$ 600 por mês) também ajudavam a sustentar seu vício em maconha.
Eutácio Borges, presidente da fundação de atendimento socioeducativo de Pernambuco, diz que jovens infratores não percebem que a vantagem do tráfico não compensa.
"Um bom carpinteiro em Pernambuco tira até R$ 2.800 por mês, sem correr o risco de enfrentar o adversário traficante ou ir para uma unidade de internação."
Enfrentamentos violentos fazem parte da rotina dos adolescentes no tráfico.
T., 18, chegou a ser apreendido por agressão. "Uma vez discuti com um cara que não pagou. Rachei o pote dele [a cabeça] com pedra e pau."
O jovem conta que foi apreendido oito vezes, quatro ou cinco delas por tráfico. Apenas na última foi internado.
A história contrasta com a de G., que conta ter sido internado na segunda apreensão por vender drogas.
O Superior Tribunal de Justiça determinou que menores sejam internados por tráfico apenas na terceira apreensão.
Mas, segundo representantes das unidades socioeducativas, há juízes que têm sido mais rigorosos, contribuindo para o aumento das internações por tráfico.
    Incidência cresce na maioria dos Estados brasileiros
    DE SÃO PAULO
    Em anos recentes, cresceram apreensões e internações de jovens por tráfico em 10 de 14 Estados que enviaram dados à Folha.
    No Rio de Janeiro, o tráfico respondeu por 44,3% das apreensões de adolescentes no primeiro trimestre deste ano, contra 33,8% em 2010. Nem todos os jovens apreendidos são internados.
    "A instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras) afetou a hierarquia do tráfico, abrindo espaço para maior participação dos jovens", diz Roberto Bassan, subdiretor de ações socioeducativas do Rio.
    São Paulo, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Pará são exemplos de outros Estados onde a incidência do tráfico entre adolescentes aumentou nos últimos anos.

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