O Globo, 12/8/2013
O cientista político Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito de “soft power” para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo, onde o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.
Esse “poder suave”, cultivado nas relações com aliados, na assistência econômica e em intercâmbios culturais, resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos. Há um consenso de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causa estragos à imagem do país.
Trazendo o conceito de “soft power” para o plano nacional, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisou em palestra na Academia Brasileira de Letras a importância dos valores culturais e sociais na definição de nosso futuro nacional.
Fernando Henrique vê como as áreas mais definidoras do futuro a inovação tecnológica, a educação e a cultura, mas, sobretudo, a reconstrução da nossa sociedade na direção de uma convivência mais harmoniosa, que tem a ver com valores como a dignidade da pessoa humana e a equidade.
“Quando se pensa em valorizar os aspectos culturais é preciso reconhecer que nesse mundo que está em ebulição há valores que precisam ser reforçados”, e para o ex-presidente “a questão fundamental tem a ver com a Justiça, mais do que simplesmente o desenvolvimento da economia”.
Fernando Henrique criticou a visão estritamente econômica que prevalece entre nós, “uma ótica do passado”, que ainda se norteia pelo crescimento do PIB, quando há outros fatores importantes para crescermos como sociedade: “Temos conseguido crescer socialmente sem ter tido um crescimento do PIB espetacular. Não vemos que o Brasil cresceu em outra medida, em outros aspectos que são muito importantes, inclusive do “soft power”. Crescemos como democracia, como liberdade”.
Apesar desses avanços, em outros aspectos não crescemos o necessário para que façamos parte do chamado Primeiro Mundo, ponderou Fernando Henrique: “Não crescemos naquilo que é básico, a noção de igualdade, pelo menos perante a lei, igualdade formal ainda que seja. Falta muito no sentido da equidade”.
Para ele, “talvez o que motive mais as pessoas venha a ser o sentimento da decência e da dignidade”, o que na sua opinião levou às manifestações de junho: “O que aconteceu nas ruas ultimamente é o exemplo de que o país está integrado ao mundo, que as pessoas têm acesso aos novos meios de comunicação e que aqui também está nascendo um sentimento novo que é o de que eu sou uma pessoa que está conectada e quero opinar”.
Não se viu ainda avanço suficiente nas formas de organização de poder para viabilizar as novas demandas, a capacidade de as pessoas se conectarem e se fazerem ouvir, ressaltou.
“Mas seguramente esse novo mundo, no qual considero que o Brasil tem um futuro, vai depender da criatividade nossa e de outros para abrir as instituições de modo tal que o processo deliberativo seja mais amplo e o processo decisório passe por um crivo mais amplo. Temos uma distância enorme entre as aspirações que estão postas e as respostas institucionais”.
Segundo Fernando Henrique, se quisermos ter um futuro nacional, “vamos ter que caminhar muito mais na direção do social, na direção do cultural, do conhecimento e do respeito ao outro. Não podemos ter medo de nos expor ao mundo, não imaginar que podemos nos desenvolver fechando-nos, mas imaginar que para que possamos fazer isso com força de afirmação, temos que sentir dentro de nós a vontade de mudar essas coisas que são as que mais doem”.
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