RIO - A notícia de que a Finlândia estaria prestes a abolir o ensino por disciplinas nas escolas em para dar lugar a um modelo baseado em tópicos interdisciplinares correu o mundo ao longo da semana. Embora a informação veiculada pelo jornal britânico “The Independent” tenha sido desmentida pelo governo finlandês, o episódio suscitou novos debates sobre a importância da aplicação transversal de conteúdos.
- Em nota divulgada à imprensa, o Conselho Nacional de Educação da Finlândia afirma que, de fato, prepara um novo projeto para o ensino básico, que será detalhado em agosto de 2016. E a reformulação inclui alterações que poderiam ter dado origem ao mal-entendido. A proposta é aumentar o foco sobre a aplicação transversal de competências, baseadas em práticas colaborativas dentro de sala de aula, nas quais alunos serão orientados simultaneamente por vários professores.
O texto também afirma que os estudantes devem participar anualmente de, pelo menos, um módulo de aprendizagem multidisciplinar, concebido localmente. Para isso, os alunos deverão ser envolvidos no planejamento
Doutora em educação pela USP, a diretora-executiva da ONG Laboratório de Educação, Beatriz Cardoso, destaca que a Finlândia tem como trunfo a profunda reflexão sobre suas práticas educacionais.
— As mudanças são trabalhadas como um conceito, e não apenas como uma reação. Há uma visão orgânica do processo de aprendizagem — diz Beatriz, que viajou ao país para conhecer seu sistema de ensino pelo programa “Destino Educação” do Canal Futura.
Para os brasileiros que estão de olho no que vem sendo feito num dos modelos educacionais mais bem-sucedidos do mundo, a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP, Paula Louzano, que é doutora em educação pela Universidade de Harvard, lembra que, mais do que copiar práticas, é importante estudar como o país chegou aos modelos contemporâneos.
— O país pode dar grandes passos porque sabe fazer o básico muito bem. Eles iniciaram todo um processo lá atrás, quando investiram num currículo altamente qualificado e na formação dos professores. É fundamental entender o processo de evolução do sistema, em vez de replicar práticas soltas — pontua a pesquisadora, que também conhece a fundo o currículo adotado no país.
Como ela lembra, o Brasil ainda discute a Base Nacional Comum da Educação, para definir objetivamente o que os estudantes devem aprender em cada ciclo. E questões como essas precisam ser resolvidas com mais urgência.
Dificuldades à parte, o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, avalia que a proposta da Finlândia pode servir como inspiração. Para ele, abordar um tópico a partir de vários ângulos gera engajamento e motivação.
— Com uma boa estratégia pedagógica, é possível desenvolver momentos e eventos em que professores abordem determinados assuntos dessa forma. Boas escolas, públicas e particulares, conseguem se planejar para isso.
Escolas concretizam iniciativas
Segundo a gerente pedagógica Escola Sesc de Ensino Médio, Inez Paz, o currículo da unidade foi planejado para transcender o tradicional encontro de sala de aula. Por isso, os estudantes são estimulados a desenvolver projetos sobre questões cotidianas, utilizando o conhecimento de todas as áreas.
Recentemente, eles iniciaram a investigação sobre o Rio Grande, que passa em frente à escola, em Jacarepaguá. A partir de pesquisas sobre a qualidade da água, sua origem e possibilidades de uso, eles fazem atividades orientadas por professores de diversas disciplinas.
— Para verificar a qualidade da água, eles fizeram coleta e levaram até o laboratório e, nesse meio tempo, também usaram ferramentas da geografia para entender a densidade demográfica do entorno. Uma coisa vai levando à outra — conta Inez. — Quando trabalhamos assim, pensamos em problemas e onde fica a chave para respondê-los. Fazemos um caminho em que os alunos vão até o conhecimento.
O Colégio QI usa artifícios semelhantes no projeto “QI Ambiental", em que os jovens produzem projetos que vão de uma casa sustentável a sistemas de reaproveitamento de água. Tudo isso através de atividades que associam várias disciplinas.
— São dois encontros semanais no contraturno, em que os professores vão orientando os alunos conforme os desafios vão surgindo — explica. — Qualquer escola com pouquíssimos recursos materiais é capaz de fazer isso. Não precisa ser algo grandioso. A única coisa indispensável é o fator humano.
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