Concordo plenamente con Antonio!
23 de março de 2015
"Ninguém é obrigado a concordar com as ideias do maior educador brasileiro. Mas chamá-lo de doutrinador marxista é baixar demais o nível do debate", afirma Antonio Gois
Fonte: O Globo (RJ)
Entre tantas palavras de ordem levantadas na manifestação de 15 de março, uma gerou reação imediata de educadores nas redes sociais. “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”, dizia uma faixa ilustrada com o símbolo comunista da foice e do martelo. Era apenas um cartaz isolado no meio de um protesto cuja motivação nada tinha a ver com Paulo Freire e sua obra. Não é a primeira vez, no entanto, que o mais conhecido educador brasileiro é criticado com argumentos com esses.
Naquele mesmo 15 de março, talvez em resposta à foto do cartaz que ganhava destaque nas redes sociais, a Unesco publicou em sua página no Facebook uma frase de Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
Paulo Freire nunca escondeu que seu pensamento foi influenciado pelo marxismo. Seus textos têm forte conotação política. Numa entre tantas entrevistas hoje disponíveis no Youtube, ele inclusive relata se incomodar quando o descrevem apenas como o criador de um método. Sua intenção, clara e explícita, sempre foi pensar a educação como instrumento de conscientização da população mais pobre. Sua crítica ao sistema tradicional de ensino permanece atual. Uma educação libertária nada tem a ver com o modelo “bancário”, onde o papel do professor é de um mero transmissor do conhecimento, que será assimilado passivamente pelos alunos.
As ideias de Freire ganharam o mundo na segunda metade do século passado. Mesmo as mais prestigiosas universidades anglo-saxãs reconheceram sua importância. Em muitas - Harvard, Cambridge e Oxford entre elas - recebeu título de doutor honoris causa.
Qualquer brasileiro que visita uma faculdade de educação no exterior pode atestar o prestígio de Freire. Entre 2010 e 2011, passei um ano na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, estudando avaliação educacional, numa bolsa de estudos destinada a jornalistas. Com frequência, ao me apresentar como brasileiro, os professores da Faculdade de Educação começavam a falar de Paulo Freire. Fora de um ambiente acadêmico como aquele, o mais comum em viagens ao exterior é ouvirmos referências a jogadores de futebol. Ao menos ali, nosso país era lembrado por um educador.
A admiração por Paulo Freire não se restringia a conversas de apresentação. Num dos cursos onde pude acompanhar algumas aulas, seus textos constavam da bibliografia exigida aos estudantes. Ninguém estava preocupado naquela universidade de ponta norte-americana com a “doutrinação marxista” que as ideias de Freire introduziriam nos futuros professores do país. O que importava ali era debater o método de alfabetização proposto pelo brasileiro e sua crítica ao sistema tradicional de ensino.
Não se trata de colocar Freire num pedestal inatacável. O fato de mesmo o maior educador brasileiro ser alvo de críticas é um sinal positivo de que vivemos numa democracia. Ninguém é obrigado a concordar com a pedagogia proposta por ele, menos ainda com seu posicionamento político. Ganharíamos muito, porém, se o debate se desse em alto nível. Reduzir Freire a um doutrinador marxista passa longe disso.
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