Câmara discute mudar lei apesar da falta de dados para dimensionar violência de menores no país
Levantamento da Folha mostra que atuação de jovens em assassinatos pode variar de 3% a 31% nos Estados
O Brasil discute a redução da maioridade penal, mas não possui estatísticas que dimensionem a participação de jovens nos crimes no país.
Neste mês, a Câmara dos Deputados deverá votar uma Proposta de Emenda à Constituição que visa reduzir a idade penal de 18 para 16 anos.
Devido à falta de dados nacionais, ao longo de dois meses, a Folha solicitou números de envolvimento de menores em delitos às 27 unidades da Federação. Nove forneceram estatísticas, com base em metodologias variadas.
Embora mostre um retrato parcial, o levantamento traz indicações. Revela que, nos nove Estados, a participação de menores em homicídios com autoria conhecida não é insignificante, como autoridades têm dito. Em sete Estados, é igual ou superior a 10%.
Na quarta-feira (3), a Presidência da República publicou nota informando que, segundo o Ministério da Justiça, os menores são responsáveis por apenas 0,5% dos homicídios no país. O dado já tinha sido divulgado antes.
Procurado, o ministério negou a autoria da conta e a atribuiu ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A entidade, porém, afirmou nunca ter feito tal cálculo justamente por falta de dados oficiais.
Estimativa de que menores responderiam por 1% das mortes também já foi atribuída ao Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que nega ser fonte do dado.
CASOS EXTREMOS
O Distrito Federal informou uma participação de menores em homicídios de 30%. A fatia é parcialmente explicada pela disseminação de brigas de gangues na capital.
Já no Ceará, os menores estiveram envolvidos em 30,9% dos crimes violentos letais intencionais em 2014. Esse número pode ser puxado para cima por incluir latrocínios.
As estatísticas obtidas mostram que adolescentes se envolvem mais em latrocínios do que em homicídios.
No Maranhão, jovens responderam por só 3,1% dos homicídios da capital, mas por 15,2% dos latrocínios, em 2014. Mato Grosso é outro caso de baixo envolvimento em assassinatos: 3,9%. Ainda assim, os percentuais superam os supostos 0,5% e 1%.
Se a participação de menores em crimes não é insignificante, tampouco é o índice de jovens alvo de violência.
Adolescentes de 16 e 17 representaram 6,6% das vítimas de homicídio no país em 2013, embora sejam apenas 3,6% da população. Os dados farão parte do novo Mapa da Violência. Homicídios são a principal causa de morte nessa faixa etária: 46% do total.
acuna em estatísticas contrasta com outros países
EUA, Inglaterra e o vizinho Uruguai computam crimes de adolescentes
Para pesquisadores, falta de padronização entre Estados e acesso dificultado são outros problemas brasileiros
O site informa que jovens com menos de 18 anos estiveram envolvidos em 7% dos assassinatos com autoria conhecida em 2012. Traz ainda uma série histórica e fornece detalhes como o horário em que menores são mais propensos a cometer crimes.
A abundância de informações contrasta com a situação do Brasil. Segundo especialistas em criminalidade, a falta de evidências dificulta a formulação de políticas de segurança no país e turva debates como o da eventual eficácia de se reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos.
"A gente nunca se preocupou com esse tema [homicídio], a ponto de não ter uma base de dados nacional sobre isso", diz o sociólogo Arthur Trindade, secretário de Segurança do Distrito Federal.
"Debates como o da redução de maioridade penal acabam sendo norteados por convicções ideológicas ou até religiosas", diz o economista Rodrigo Soares, da FGV (Fundação Getulio Vargas).
PELO MUNDO
Além dos EUA, há outros países que possuem números que permitem, pelo menos, dimensionar a participação de menores em crimes.
Na Inglaterra e no País de Gales, adolescentes de 10 a 17 anos cometeram 18% dos crimes de "violência contra a pessoa", com autoria conhecida, entre 2009 e 2010.
No Uruguai, a participação de menores em homicídios com autores identificados é monitorada anualmente (foi de 17% em 2013).
Pesquisadores de criminalidade no Brasil relatam barreiras para ter acesso a dados.
"Muitas vezes, solicitamos dados triviais e, mesmo assim, a restrição é assustadora", diz Soares, da FGV.
A opinião é compartilhada pelo sociólogo Julio Jacobo, autor do Mapa da Violência, publicado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais): "Apesar da Lei de Acesso à Informação, o acesso a dados no Brasil está cada vez mais difícil".
Para especialistas, os governos estaduais resistem em divulgar números ligados à violência por temerem o uso político dessas estatísticas.
Além disso, a falta de padronização na coleta nos Estados impede a consolidação de dados nacionais.
INVESTIGAÇÃO FALHA
Outra dificuldade para obter estatísticas confiáveis no Brasil é o baixo índice de esclarecimento dos crimes.
Segundo o vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, apenas cerca de 8% dos homicídios são solucionados no país --o que pode distorcer as conclusões.
Isso impede, por exemplo, que se saiba como tem evoluído a participação de menores em crimes e o que torna o jovem mais propenso a se envolver em delitos graves.
Autoridades de Estados que dizem estar investindo em estatísticas afirmam que homicídios e latrocínios cometidos por menores têm forte conexão crimes como tráfico de drogas e roubo.
Em cinco Estados que forneceram à reportagem dados de tráfico praticado por jovens, as taxas oscilam de 17% a 43% dos crimes com autoria conhecida.
"Os crimes estão muito interligados. Há o jovem que trafica e consome drogas, rouba para sustentar o vício e acaba matando", diz Rommel Kerth, diretor do departamento de Polícia Especializada do Ceará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário