Folha de S.Paulo, 5/6/2015
Em boa hora uma pesquisa realizada pelo Ministério Público de São Paulo e pelo instituto Sou da Paz vem solapar ao menos dois argumentos tão incorretos quanto frequentes nas discussões relativas à área da segurança pública.
Primeiro, a maior parte das armas com as quais se praticam crimes em território paulista não tem sua origem no exterior, mas na própria indústria brasileira.
De acordo com o levantamento, consideradas 10.666 armas de fogo apreendidas em 2011 e 2012, nada menos que 78% delas tinham fabricação nacional --proporção que sobe para 82% quando se levam em conta somente artefatos confiscados vinculados a roubos e 87% no caso de homicídios.
Os dados são importantes porque autoridades estaduais, responsáveis pela segurança, com frequência procuram atribuir parte expressiva da criminalidade à entrada de armas pelas fronteiras, cujo controle fica a cargo do Executivo federal.
Como puro diversionismo, talvez o raciocínio cumprisse seu triste papel; se, no entanto, governantes de fato acreditavam que o problema vinha de fora, então miravam o alvo errado. Agora têm condições de repensar suas estratégias.
O segundo argumento atingido pelo relatório costuma ser usado por quem apregoa a facilitação do comércio de armas sustentando que as restrições afetam só o "cidadão de bem", deixando-o indefeso diante de bandidos armados.
Ocorre que, se os artefatos utilizados nos crimes são nacionais, isso significa que um dia eles foram vendidos legalmente no país.
Ou seja, se há muitos criminosos armados, isso se deve em larga medida ao comércio legal de armas, que abastece o mercado ilegal; obstruir esse duto resulta num benefício à população, e não o contrário.
Como mostrou reportagem desta Folha, um mesmo revólver comprado regularmente foi duas vezes roubado e duas vezes apreendido antes de ser destruído pelo Exército.
Nesse episódio, a trajetória do revólver pôde ser refeita porque ele mantinha seu número de série. Em cerca de metade dos casos, contudo, o registro é suprimido, dificultando a elucidação de crimes.
Daí a importância de campanhas como a "DNA das Armas", promovida pelo Ministério Público e pelo Sou da Paz a fim de implantar, no Brasil, um sistema de marcação indelével dos artefatos de fogo.
A iniciativa, porém, terá pouca valia se parlamentares que não representam os fabricantes de armas assistirem inertes à mobilização da chamada bancada da bala no Congresso, que pretende enfraquecer o Estatuto do Desarmamento.
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