por Redação em 01/06/2015
Em entrevista para o Portal do Educador, a socióloga Helena Singer, recém convidada para integrar a nova equipe do MEC como Assessora Especial do ministro Renato Janine, fala da necessidade de conceber a educação de modo integral para pensar politicas urbanas que levem em consideração o ser humano antes do automóvel, da indústria e do lucro.
Helena é membro fundadora do Núcleo de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (NUPSI-USP), Doutora em Sociologia pela USP, com pós-doutorado em Educação pela Unicamp, autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior sobre educação e direitos humanos. Sua experiência como diretora pedagógica da Cidade Escola Aprendiz, pensando a educação não apenas dentro da escola, mas promovendo territórios educativos em diferentes cidades do Brasil, contribuiu muito para o novo desafio de desenvolver a inovação dentro do sistema de educação no país.
Da República das Crianças aos Territórios educativos, o que mudou e o que permanece na forma como a Helena concebe a educação?
Quando escrevi República das Crianças, mais de vinte anos atrás, estava muito focada na escola e nas relações pessoais que ela promovia. As escolas estudadas naquela pesquisa buscavam criar ambientes educadores que valorizassem a liberdade e ao mesmo tempo criassem espaços coletivos de decisão, democratizando as relações dentro das escolas. De lá para cá, não apenas eu, mas mesmo o movimento das escolas democráticas começou pensar o papel que a escola pode desempenhar no território e na comunidade em que ela está inserida. Não são todas as escolas democráticas que já pensam assim, nem todas que mencionei no livro, algumas tem objetivo mesmo de preservar as crianças dos males que a sociedade pode trazer. Mas experiências nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Brasil tem se esforçado para melhorar a situação do seu entorno, compreendendo a escola como parte da comunidade.
Quando escrevi República das Crianças, mais de vinte anos atrás, estava muito focada na escola e nas relações pessoais que ela promovia. As escolas estudadas naquela pesquisa buscavam criar ambientes educadores que valorizassem a liberdade e ao mesmo tempo criassem espaços coletivos de decisão, democratizando as relações dentro das escolas. De lá para cá, não apenas eu, mas mesmo o movimento das escolas democráticas começou pensar o papel que a escola pode desempenhar no território e na comunidade em que ela está inserida. Não são todas as escolas democráticas que já pensam assim, nem todas que mencionei no livro, algumas tem objetivo mesmo de preservar as crianças dos males que a sociedade pode trazer. Mas experiências nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Brasil tem se esforçado para melhorar a situação do seu entorno, compreendendo a escola como parte da comunidade.
De que modo você acredita que sua experiência no Aprendiz pode contribuir com o seu trabalho no MEC?
A experiência no Aprendiz foi o que me abriu a perspectiva de envolver a escola no território e me propiciou conhecer experiências em muitos lugares do Brasil. Assim a experiência do Aprendiz é de onde posso partir para pensar meu trabalho no MEC, jogando luz nas experiências educativas que criam novas possibilidades para as relações internas e externas, se reconhecendo como espaços de produção de conhecimento, de cultura, como agentes socioambientais que transformam o lugar onde estão. O processo de aprendizagem é muito mais efetivo quando se torna um processo de produção e não de reprodução de conhecimentos.
No primeiro volume da serie Territórios Educativos você menciona o movimento de cidades educadoras iniciado em Barcelona em 1990. Qual a importância deste movimento para o Brasil?
A proposta da cidade educadora de Barcelona é importante porque busca que o planejamento urbano seja pensado para as pessoas, para a promoção da qualidade de vida; o ponto de partida são as pessoas, não o crescimento econômico. A partir da experiência de Barcelona, criou-se a Associação Internacional de Cidades Educadoras que é importante para a promoção destas ideias, embora muitas das cidades que ali estejam não as implementem de fato. A cidade educadora traz uma visão de educação muito alargada, como um ambiente de desenvolvimento humano para todas idades, do bebe ao idoso. Os planos diretores conversam com os planos municipais de educação, de cultura, da assistência social, e toda esta articulação orienta os planos locais, de modo a pensar os territórios a favor da qualidade de vida. Qualidade de vida no sentido das pessoas poderem se desenvolver plenamente, nos aspectos intelectual, afetivo, social, cultural, para atingir o estado de felicidade, não pequenos episódios de alegria, mas atingir um bem estar permanente, o que depende de relações humanas de qualidade, assim como realização pessoal, profissional, familiar...
Você menciona o trabalho desenvolvido em 1980 por Darcy Ribeiro em conjunto com Oscar Niemeyer no CIEPs, no RJ, como uma forte referência para pensar os territórios educativos. Existe espaço hoje no Brasil para pensarmos o planejamento urbano de modo a associar arquitetura e educação nas grandes capitais?
Os CIEPs foram uma referencia importante para educação integral, assim como os CEUs e as Escolas Parque propostas por Anísio Teixeira em Brasília. Estes projetos buscavam que a escola tivesse os recursos e infraestrutura necessários para dar conta do desenvolvimento humano integral, com clareza de que a sala de aula não é suficiente, que precisamos de outras estruturas que possibilitem outras experiências. Mas o território educativo vai além disto, com um investimento no mapeamento do bairro, no que há de possibilidades para o território educativo, com as pessoas que ali vivem, com os recursos disponíveis ali. A arquitetura do prédio escolar, a gestão do espaço assim como do tempo compõem a matriz de toda instituição, então os espaços que não são formados por salas e corredores como na maior parte das escolas, mas que possibilitam vivências artísticas e ambientais são fundamentais para o desenvolvimento integral. E o planejamento urbano vai pensar como a politica de transportes, por exemplo, da cidade, vai propiciar que as pessoas possam usufruir do que ela oferece, assim como a politica de habitação vai oferecer moradia digna... Trata-se de uma politica urbana que leva em consideração o ser humano antes do automóvel, da indústria, do lucro.
Como você acredita que podemos articular melhor o planejamento, a distribuição e a gestão dos recursos de modo que possamos transformar nossos territórios em lugares de aprender?
De um lado, tem uma questão que é da formulação da política publica que precisa convergir e articular superando uma lógica de departamentos onde cada um faz seus programas visando um determinado aspecto da existência humana. As politicas precisam ser formuladas visando a integralidade, visando a criança, não o aluno, o usuário do equipamento de saúde ou da cultura. Formular uma politica voltada para o desenvolvimento integral da criança, propondo o que é preciso que venha da educação, da saúde, do esporte, da cultura, da assistência social. Por exemplo: muitas vezes acontece de uma criança ser encontrada vivendo nas ruas do centro da cidade e ser levada para a escola da região; ao chegar lá, a escola não encontra uma matrícula daquela criança no sistema e então compreende que ela não é da sua alçada, não é um “aluno”. Em outras situações, a criança passa mal na escola, mas não pode ser atendida no posto de saúde porque não mora no bairro e o posto só atende moradores.
De outro lado, comunidade também não costuma se articular Não é comum que as escolas dialoguem com as associações de moradores, os coletivos de cultura, os equipamentos da saúde, os conselhos locais. A politica publica pode induzir e favorecer a integração, mas a comunidade precisa se organizar para isto. A articulação tem que acontecer nas duas pontas, na formulação das politicas públicas e na sua apropriação pela comunidade.
O que você pensa sobre a redução da maioridade penal? Acredita que medidas como esta são eficientes no combate a violência?
Não acredito que a redução da maioridade penal vá fazer alguma diferença para reduzir a criminalidade ou atos violentos no país. Assim como não acredito que o sistema penal como um todo tenha impacto na redução da violência. A lógica do sistema penal é, como o nome diz, penalizar, atender o desejo de punição que marca a nossa sociedade. É uma contradição em relação papel que se espera do Estado que, no que se refere aos conflitos, deveria colocar fim à sucessão de atos de vingança que leva à escalada da violência no mundo privado. Teoricamente, o Estado deveria exercer o papel do interventor que coloca fim no conflito por meio de um sistema racional e justo. No entanto, não é isso que acontece de fato. Todo o processo, desde a primeira intervenção policial até a efetivação da pena nos presídio, passando pelo processo judiciário, é marcado pela violência e discriminação. Trabalhei isso no meu livroDiscursos Desconcertados. O que reduz a violência são experiências em que as comunidades se organizam, fazendo crescer o nível de confiança entre as pessoas dali, impedindo que estruturas criminosas se fortaleçam. Políticas de combate à violência deveriam focar nisso. Em relação especificamente à redução da maioridade penal, ela vem atender a um forte desejo das forças conservadoras da sociedade brasileira de controlar e punir nossos adolescentes. É disso que se trata, não da redução da violência.
Na sua avaliação quais as maiores desafios a serem enfrentadas nos próximos anos para que possamos promover uma educação pública integral, viva e democrática?
O maior desafio é sempre a transformação da cultura, há um limite do que a politica e as instituições podem fazer, este limite é dado pela cultura dos pais, dos estudantes, supervisores, da mídia. O que domina é uma visão que reduz educação à escolarização e que mantém um imaginário de escola formado por relações hierárquicas, conhecimento fragmentado, corpos controlados. Transformar esta visão, dar espaço, visibilidade a outras propostas, levar os meios de comunicação a tematizarem a educação de outra forma são estratégias importantes para enfrentar o desafio de transformar em larga escala a educação pública brasileira.
O maior desafio é sempre a transformação da cultura, há um limite do que a politica e as instituições podem fazer, este limite é dado pela cultura dos pais, dos estudantes, supervisores, da mídia. O que domina é uma visão que reduz educação à escolarização e que mantém um imaginário de escola formado por relações hierárquicas, conhecimento fragmentado, corpos controlados. Transformar esta visão, dar espaço, visibilidade a outras propostas, levar os meios de comunicação a tematizarem a educação de outra forma são estratégias importantes para enfrentar o desafio de transformar em larga escala a educação pública brasileira.
Como você enxerga e define o conceito de educação integral?
Educação integral é uma proposta que integra diferentes espaços, agentes, tempos e recursos de um território em busca de um projeto que promova o desenvolvimento integral, em todas as dimensões, das pessoas daquele território. A integralidade está, portanto, no princípio, na visão, no meio, que é o método, e no final, no objeto.
Comentários – inovação – quanto que é inovador tudo isto que estamos falando Os adjetivos escolas democráticas, educação integral, eles vem para diferenciar experiências localizadas, mas estamos falando de transformar a educação como um todo e quando atingirmos isto, não precisaremos de adjetivos que diferenciem determinadas propostas. Inovação é tudo que ajuda a transformar a educação neste sentido, da participação, da integração, do respeito à singularidade de cada de um, de valorização da potência das novas gerações para criar um mundo novo. O ministro Renato Janine vem falando de criatividade, o que faz muito sentido nesta perspectiva.
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Redação
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