5 de junho de 2015

MARCELO LEITE Caros amigos de 2015


Hoje, 35 anos à frente de vocês, as indústrias fósseis foram à breca, mas a vida piorou nas megacidades
Gostaria que fossem verdadeiras as maquinações da ficção científica e que hoje, 35 anos à frente de vocês, fosse possível viajar no tempo e mudar a história. Faltam aí apenas seis meses para a Conferência do Clima em Paris, e daqui posso ver que ela não deu para o gasto.
Até que o acordo obtido para conter os gases do efeito estufa foi razoável, para as condições políticas da época. Não teria bastado para conter o aquecimento global no limite de 2°C neste século, óbvio.
Na metade dele, já estamos perto de romper essa barreira. E isso mesmo com as emissões de carbono quase zeradas. Não tanto como resultado das metas no Protocolo de São Paulo, adotado em 2020, mas da ajuda inesperada da UberTesla.
Os carros elétricos autônomos lançados naquele mesmo ano pelo empresário Elon Musk, depois de comprar a Uber com os lucros das baterias domésticas Powerwall, acabaram com o trânsito, com os transportes públicos e com a poluição do ar.
As indústrias fósseis --montadoras e petroleiras-- foram à breca. O crash de 2029 destruiu a indústria como vocês a conhecem, mas criou uma melhor. Joseph Schumpeter teria adorado ver geradores eólicos e painéis fotovoltaicos se espalharem pelo mundo como os automóveis no século 20.
A vida piorou nas megacidades, no entanto. As ondas de calor infernizam os paulistanos três ou quatro vezes por ano, com os termômetros acima dos 40°C. Duram semanas, mas nada de comparável com a tragédia de Nova Déli, hoje uma cidade-fantasma, como tantas na Índia após o colapso das monções.
São Paulo, Rio e Belo Horizonte até que se adaptaram à canícula. Mesmo na periferia de classe média baixa o zunido de aparelhos de ar-condicionado é constante, e cessaram os apagões depois que o governo federal passou a subsidiar painéis de silício e baterias de lítio com o programa ProAr.
O problema, mesmo, é a falta de água, especialmente em São Paulo. O sistema Cantareira nunca mais se recuperou. Há alguma esperança de que a recomposição da mata atlântica na bacia do PCJ, iniciada uma década atrás, traga algum alívio, mas só lá por 2070.
Isso se a seca não se tornar permanente como o El Niño. Se vocês tivessem imaginado aonde a coisa iria parar, teriam feito mais por seus filhos e netos.

Folha de S.Paulo, 5/6/2015

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