Aula calcada na formulação de problemas é avanço e também desafio
O ensino por investigação, destaque na nova Base Nacional Comum Curricular, é um avanço e também um desafio, já que será necessário treinar professores e elaborar materiais e atividades novos.
Em contraposição à transmissão de conteúdo por aula expositiva, o ensino investigativo parte de questões para respondê-las com pesquisa, experimento ou projetos.
Não só ciências e matemática se beneficiarão com isso, diz Maria Helena Guimarães de Castro, secretária executiva do MEC (Ministério da Educação e Cultura).
É preciso, diz ela, que os alunos exercitem a curiosidade intelectual e recorram à abordagem própria das ciências, “incluindo investigação, reflexão, análise crítica, imaginação e criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções”, com base nos conhecimentos de cada área.
Professores quase não recebem formação nesse estilo. Em geral, sua própria experiência como alunos inclui apenas aulas no molde clássico.
A professora Daniela Scarpa, do Instituto de Biociências da USP e especialista em formação de professores e ensino de ciências, considera essencial que futuros (e atuais) professores vivenciem o ensino por investigação.
“Não adianta ensinar investigação em curso de licenciatura ou formação continuada de maneira expositiva; professores têm de passar pela experiência”, diz Scarpa.
Paulo Blikstein, professor da escola de educação da Universidade de Stanford (EUA) e especialista em novas tecnologias para ensino de ciências, complementa dizendo que a base curricular “só funciona com a formação do professor”, sendo que esse será o componente mais caro da reforma, conforme ele.
O MEC reconhece a complexidade da tarefa. Na colaboração entre União, Estados e municípios, a primeira tarefa deverá ser o alinhamento da formação do professor, “que está em elaboração”, segundo a secretária executiva.
ALÉM DO LABORATÓRIO
Ensino por investigação envolve mais que experimentos. Scarpa diz que é comum confundir investigação e experimentação, visão segundo a qual “é só fazer experimento no laboratório que, pronto, tem as respostas”. Quando só se reproduzem experimentos predeterminados, critica ele, não são considerados o papel da teoria, da criação de modelos, os trabalho de leitura, discussão, avaliação e legitimação das explicações pelo cientista.
A base nacional comum curricular deverá ser implantada em 2019. Embora seja passo fundamental para diminuir desigualdades regionais, o documento deveria ter ido mais longe, em especial no ensino de ciências, segundo Blikstein.
Uma omissão importante é a da tecnologia, que falta no conteúdo de ciências. Tanto ensinar o que é tecnologia e como funciona como produzir tecnologia, inventar dispositivos, programar computadores são essenciais para a cidadania moderna.”
Assuntos que viralizam nas redes sociais ou aparecem na TV podem inspirar aulas de ciências baseadas em investigação. Como no exemplo do biólogo Rodrigo Plotek, 45, professor de ciências do fundamental 2 no Colégio Santa Cruz, de São Paulo.
Plotek conta que, dois anos atrás, em pleno turbilhão do surto de vírus da zika e pico de dengue, surgiram na internet e em programas de TV receitas caseiras de armadilhas para o Aedes aegypti, o mosquito transmissor.
O professor desconfiou. “Ficamos preocupados com aquilo, pesquisamos, consultamos especialistas da Fiocruz e vimos que essa história de sugerir que a população faça armadilha é um problemão”, diz. Segundo ele, não se tem controle do procedimento, o efeito pode ser o oposto do desejado.
Dado o interesse dos alunos no assunto, Plotek criou uma atividade para levá-los a investigar a dinâmica populacional de mosquitos.
O colégio apoiou a ideia e importou, da Alemanha, uma armadilha, que é usada na horta do estabelecimento.
Às sextas, os alunos de sétimo ano coletam os mosquitos capturados na semana e, na segunda seguinte, fazem no laboratório sua classificação. Além disso, dados meteorológicos são registrados por uma estação do colégio.
Em agosto, a turma fará a primeira análise da dinâmica populacional dos mosquitos em função de variáveis climáticas, com participação de um professor de matemática que colabora na investigação.
Os alunos adoram a atividade. “Os caras piram. Em estudo do meio, matam um mosquito e já dizem: ’É Aedes’ ou ’É Culex’, e discutem o porquê”, afirma Plotek. “Interessante como aproximou os meninos do conteúdo.”
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