Leia relatos de personalidades como Daniela Mercury e José Padilha sobre mestres marcantes
Uma professora de teatro e dança inspirou a cantora Daniela Mercury a seguir a carreira artística. O cineasta José Padilha não se esquece de um professor de física do ensino médio que “não subestimava a inteligência dos alunos”. A escritora Nélida Piñon escapava da aula para conversar sobre artes e literatura com uma madre da escola.
Cineastas, artistas e cantores contaram à Folha histórias sobre professores que os inspiraram e marcaram suas vidas. Veja, a seguir, os relatos.
Artur Ávila, vencedor da medalha Fields, maior premiação da matemática
Durante a quinta série (atual sexto ano), tive um professor de matemática chamado Luiz Fabiano Pinheiro. Eu estudava no colégio de São Bento (região central do Rio de Janeiro).
Ele lecionava de uma maneira não convencional, inspirado em um método francês. O estilo, que exigia um grande nível de abstração dos alunos, só poderia funcionar com um professor que, além de dominar completamente a matéria, fosse capaz de motivar os jovens a encarar aqueles conceitos. Era o caso dele. Para mim, foi bem desafiador.
Dois anos depois, quando já não era mais seu aluno, ele me falou sobre a existência da Olimpíada Brasileira de Matemática, que acabaria por me levar ao Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, na capital fluminense, onde estudei depois.
Cao Hamburger, cineasta
A minha professora de artes cênicas durante o primário, a dona Raquel, me marcou bastante. Fui aluno dela no início dos anos 70, aos 8 anos, quando estudava na escola de aplicação da Faculdade de Educação da USP (zona oeste da capital paulista).
No início de cada aula, ela fazia um momento de relaxamento e de meditação com os alunos. Deitávamos no chão da sala e tínhamos de pensar em uma pedra de gelo derretendo ou na cor azul. Depois, fazíamos os exercícios dramáticos mais concentrados e focados. Sempre com muita liberdade. Usei o método de relaxamento ao longo da vida, e também o ensinei a alguns jovens atores.
Daniela Mercury, cantora
Na época do primário, tive uma professora chamada Angela Dantas, que dava aulas de teatro, dança e música. Foi ela quem me fez querer ser artista, aos 10 anos. Me incentivava a criar, improvisar, o que me encantava. Dizia que eu tinha uma grande expressividade. Sempre que um professor acredita em nós, nos dá motivo para seguir em frente.
Também me ensinou a cantar na língua iorubá e a amar a cultura baiana. Em plena ditadura, trazia questões políticas para as aulas. Aprendi a cantar, por exemplo, “É Proibido Proibir”. Ela não tinha medo.
Sempre fui melhor nas matérias em que os professores eram encantadores. E ela era sorridente, vibrante e criativa. Acho que os educadores deveriam exercitar essa capacidade de encantar os alunos. Não pode existir uma relação autoritária com a classe.
José Padilha, cineasta
Nunca me esqueci do Orlandino Andrade, meu professor de química durante o segundo ano do ensino médio no colégio Santo Agostinho (zona sul do Rio de Janeiro).
Ele era muito inteligente e crítico, e não subestimava a inteligência dos alunos. Estimulava a gente a pensar. Não deixava de lecionar com profundidade para facilitar o entendimento. E também adotava livros não convencionais e interessantes nas aulas. Até hoje é considerado uma lenda na escola.
Mayana Zatz, geneticista
Um dos pioneiros da genética humana no Brasil, o Oswaldo Frota-Pessoa foi um professor que me inspirou. Tive aula com ele na década de 70, enquanto cursava biologia no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Ele também foi meu orientador de mestrado e doutorado.
Era um excelente pesquisador e professor. Quando os alunos achavam que haviam entendido um problema, ele levantava questões e dúvidas que nos fazia repensar e questionar.
Ele também coordenava um serviço de aconselhamento genético para pacientes ou famílias com parentes afetados por doenças genéticas, e nos ensinou a importância de dar atenção, carinho e respeito aos pacientes. Ele morreu em 2006, aos 93 anos.
Monja Coen
Durante meu treinamento monástico no Mosteiro Feminino de Nagoya, no Japão, conheci a reverenda Shundo Aoyama, que tem hoje mais de 80 anos. Fiquei lá por sete anos, durante a década de 80.
Era uma mulher incansável. Sempre disposta a atender as alunas e a repetir o que já havia ensinado com muita ternura, cuidado e assertividade.
Nunca levantou a voz, ficou brava ou falou mal de alguém. Sempre que reclamávamos de alguma coisa, ela dizia: “É o seu olhar que deve mudar. Se você mudar, tudo muda junto.”
Foi uma benção poder conviver com uma pessoa assim. Um grande mestre é alguém que deixa marcas fortes em você. Ela é um modelo para mim.
Nélida Piñon, escritora e membro da Academia Brasileira de Letras
Estabeleci uma relação especial com uma professora alemã de latim e grego que tive no colégio Santo Amaro (zona sul do Rio de Janeiro), a madre Elmara.
Era uma mulher muito culta e inteligente. Nossa amizade se estabeleceu sobre a literatura e as artes. Às vezes, ela me tirava da sala de aula para irmos ao jardim conversar. Eu frequentava teatros, balés, e contava todas as novidades para a madre, enquanto ela me ensinava sobre a cultura grega.
Já adulta, quando tinha pouco mais de 20 anos, fui visitá-la em um convento na cidade de Presidente Prudente (interior de São Paulo). Foi um encontro muito feliz, pude agradecê-la por tudo que aprendi e por ter fomentado a minha imaginação. Foi uma mestra para mim.
Rodrigo Oliveira, chef e sócio do restaurante Mocotó
Tive muitas pessoas inspiradoras ao meu lado durante a minha formação, mas o mestre Laurent Suaudeau, da Escola da Arte Culinária Laurent, se destacou.
Fiz um estágio com ele em 2005, durante seis meses. Foi quando eu tive contato pela primeira vez com a estrutura, os materiais e os ingredientes da alta cozinha. E, claro, com o método e a disciplina do Laurent. Foi uma experiência para a vida toda.
Sidarta Ribeiro, neurocientista
O professor Isaac Roitman coordenou a iniciação científica que fiz no Laboratório de Microbiologia da Universidade de Brasília, no fim da década de 80. Mas o conheci antes disso –sou amigo de infância dos filhos dele.
Ele sempre foi um mentor generoso, atencioso e libertário. Me acolheu no laboratório quando eu tinha apenas 15 anos, e me orientou nas décadas seguintes sempre que precisei.
Além disso, ele sempre teve a rara capacidade de me conectar, direta ou indiretamente, a muitos outros mentores, que foram fundamentais para o meu aprendizado.
Tania Khalill, atriz e criadora do projeto de educação e música “Grandes Pequeninos”
Tive uma professora muito importante na minha vida chamada Iara Ludovico, que me deu aulas de dança durante a adolescência.
Ela era muito gentil e me ajudou a encontrar o meu “ser” artista, valorizando as minhas qualidades. Dessa forma, consegui melhorar a minha autoestima, sem a pressão de ter que ser de outra forma.
Um momento marcante foi quando dancei o meu primeiro solo no balé. Foi um grande desafio, mas ela ajudou a estimular a minha autonomia e confiança. Foi uma conquista.
Thiago Soares, bailarino principal do Royal Ballet de Londres
O crítico de dança cubano Dino Carrera foi meu mentor e uma figura fundamental durante a minha profissionalização, quando tinha perto de 18 anos e estava ingressando no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Ele não me dava aulas, mas conversava comigo e sugeria filmes para assistir e livros para ler. Cuidou de aspectos da minha vida que consolidariam a minha formação. Ainda era um rapaz muito cru e com maus hábitos, o que atrapalhava o meu treinamento.
Um dos principais conselhos que me deu foi para diminuir as expectativas em relação às coisas, porque tudo ficaria mais fácil e o sucesso haveria de vir. Desde que continuasse dando o máximo de energia em tudo, claro.
Em 2006, ocorreu uma coincidência infeliz: ele morreu no mesmo dia em que fui promovido a bailarino principal do Royal Ballet de Londres. Foi um segundo pai para mim, sinto falta dele em muitos momentos.
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