2 de maio de 2017
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Mais importante que o crescimento econômico por si só é a capacidade de regeneração dos tecidos socioambientais.
2/05/2017. P. A10
Primavera-verão, outono-inverno: o modelo de negócio que predominou na indústria da moda até recentemente apoiava-se sobre o lançamento de duas coleções anuais, ao fim das quais tinha início a liquidação. O período entre o desenho do produto, a produção, a distribuição e, por fim, a venda a preços rebaixados era de um ano e meio. A fast-fashion reduziu este prazo para três meses. Algumas marcas trabalham com algo entre 50 e 100 micro estações por ano, em vez de apenas duas. Com isso os custos caíram drasticamente e as próprias cadeias produtivas se transformaram. A moda chegou a amplos segmentos populares, com impactos positivos não só para a autoestima das pessoas, mas também para o crescimento econômico. O setor emprega nada menos de 40 milhões de trabalhadores por ano e, em países como o Brasil, dificilmente ele resistiria à concorrência asiática, não fosse a fast-fashion.
Mas só pode ser moderado o entusiasmo com um modelo de negócio que consiste fundamentalmente em vender cada vez mais para cada vez mais gente, como mostra o relatório recém lançado pelo World Resources Institute (WRI) com o sugestivo título “O Elefante na Sala da Diretoria” e apresentando, em seu subtítulo, uma palavra de ordem: “porque o consumo desmedido não é uma opção para os mercados de amanhã”. O trabalho concentra-se na análise de três setores fundamentais da economia global: moda, automóveis e carnes.
A mensagem central é clara: há um conjunto importante de mudanças tecnológicas e organizacionais capazes de melhorar a eficiência produtiva das empresas e, por aí, diminuir a quantidade de energia, de materiais e de recursos bióticos subjacentes à oferta de bens e serviços. A economia circular, a economia do compartilhamento e muitos avanços ligados à revolução digital estão entre estas transformações promissoras. Mas estas inovações não são e nada indica que venham a ser suficientes para que o crescimento destes setores seja compatível com a manutenção e a regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais todos (a começar pelas próprias empresas) dependemos.
O pior é que as empresas continuam agindo como se estes serviços não estivessem sob ameaça. É verdade que as mudanças climáticas estão definitivamente na pauta. Mas a leitura de 40 mil relatórios globais sobre sustentabilidade empresarial mostra que apenas 5% das companhias mencionam limites ecológicos a suas atividades e, entre estas, são raras as que enfrentam de forma consequente o problema.
O caso da moda é emblemático, mas, nem de longe, o único. O número de roupas que o norte-americano compra anualmente aumentou 60% entre 2000 e 2014. Nestes quinze anos, o tempo em que a roupa está disponível no armário para uso foi reduzido pela metade. Hoje o consumidor daquele país compra, todo ano, nada menos que 36,7 quilos de têxteis. 85% deste total acaba num aterro. O setor é responsável pela emissão de 10% dos gases de efeito estufa e por um quinto da poluição das águas, globalmente. Por mais que inovações tecnológicas permitam fabricar tecidos com menor utilização de água e de energia e mesmo que se difundam técnicas regenerativas no cultivo de algodão orgânico, estes ganhos serão fatalmente neutralizados pelo aumento da produção, caso este modelo de negócio continue a orientar parte tão importante da indústria da moda.
Com os automóveis é o mesmo. Em 2015 havia 1,25 bilhão de carros no mundo, 40% a mais que dez anos antes. Não há dúvida de que os carros hoje são mais eficientes que os do início do milênio. Mas as emissões do setor continuam subindo, pois o aumento na quantidade de veículos em circulação contrabalança os ganhos de eficiência. É possível, de fato, que um carro em 2030 circule emitindo metade do que o automóvel de hoje. Mas até chegarmos lá, os danos serão imensos: nos EUA o tempo médio de uso de um veículo individual é de onze anos. Além disso, o trânsito reduz a produção de riqueza em proporções alarmantes. São Paulo e Beijing são citadas pelo WRI como exemplos de cidades em que as perdas econômicas decorrentes do congestionamento podem chegar a 10% da riqueza destas localidades. Portanto, imaginar que o aumento na produção de automóveis pode ser compatível com a redução do aquecimento global e com a emergência de cidades humanizadas, graças a mudanças tecnológicas, é totalmente ilusório.
O WRI menciona conhecidos estudos segundo os quais a demanda global de carne vermelha deve dobrar até 2050. No entanto, acumulam-se as evidências de que, além de um certo patamar, a ingestão deste produto é um dos mais importantes vetores da ampliação das doenças que mais oneram hoje os sistemas públicos de saúde, a começar pelas cardiovasculares. Contrariando as previsões apoiadas nas tendências atuais, os especialistas citados pelo WRI preconizam até 2050, uma redução no consumo global de carne vermelha de 56%, com relação às projeções correntes. Nos países desenvolvidos esta redução teria que chegar a 78%, com relação às previsões atuais.
Em cada um dos três casos (moda, carros, carne) o WRI cita iniciativas empresariais que rompem com os modelos de negócio atualmente predominantes. Algumas empresas já começam a adotar a ideia de slow fashion e obter ganhos com a perenidade e a durabilidade de seus produtos. Movimentos voltados a dietas mais saudáveis vão exigir que os grandes atores do agronegócio global repensem a qualidade daquilo que oferecem para a sociedade. E a crescente contradição entre propriedade individual de um carro e a mobilidade das pessoas também exigirá mudanças não apenas no planejamento urbano, mas no próprio modelo de negócio das montadoras.
As informações oferecidas pelo WRI não conduzem necessariamente a uma conclusão paralisante. Mas elas nos colocam diante da evidência de que mais importante que o crescimento econômico por si só é sua qualidade, ou seja, a capacidade de que as atividades empresariais sejam vetores de regeneração dos tecidos socioambientais que, até aqui, elas vêm sistematicamente destruindo.
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