QUEM EDUCA OS EDUCADORES?
EDUCAÇÃO BÁSICA
Principal crítica dos especialistas é o excesso de teoria com pouca prática
A educação no Brasil ainda é um ponto crítico para o desenvolvimento do país.
A qualidade do que se ensina nas escolas puxa o Índice de Desenvolvimento Humano brasileiro para baixo e coloca o Brasil no fim da lista de países em termos de qualidade de ensino de ciências e de matemática.
As causas disso dividem a opinião de educadores, de gestores e de especialistas. Muitos, no entanto, concordam que um dos gargalos da educação está justamente na formação do professor.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, o que se ensina nos cursos de pedagogia (que formam quem dá aula para as crianças de seis a dez anos, do ensino fundamental 1), e nas licenciaturas (que graduam os docentes dos jovens de 11 a 17 anos, do fundamental 2 e do ensino médio) está bem longe da realidade encontrada na escola.
Isso porque os estágios ocupam, em média, 10% da carga horária da graduação para formar professores.
Em países como os EUA, a relação é oposta: a maioria das disciplinas é prática.
DIPLOMA
Para dar aula no Brasil, é preciso, desde 2009, ser graduado em uma licenciatura.
Isso significa que, por aqui, um engenheiro não pode lecionar matemática porque não é licenciado.
Hoje, 24% dos que estão na sala de aula não fizeram curso universitário. Há, inclusive, quem nem tenha concluído o ensino médio (8,4 mil de 2,1 milhões docentes).
A obrigatoriedade do diploma de licenciatura para dar aula fez ainda com que a graduação de pedagogia à distância ganhasse força.
O número de cursos remotos de formação de professor aumentou de 6.077 para 273 mil de 2000 a 2010.
Mesmo assim, ainda faltam docentes na sala de aula. O Ministério da Educação calcula que pelo menos 170 mil vagas para professores de matemática, química e biologia estejam sem dono.
Os motivos disso? Aqui também há divergências. Há quem diga que o problema seja o salário. Para alguns, o piso nacional para o professor, estipulado em R$ 1.567, não consegue atrair nem segurar grandes talentos da educação.
Por essas e por outras, quem se forma em matemática no Brasil, por exemplo, acaba preferindo não ir para a sala de aula.
Hoje, o professor brasileiro é, em geral, uma mulher que tem entre 30 e 50 anos que veio de uma família de baixa ou média renda. A maioria (78%) trabalha em uma única escola.
Boa parte dos docentes reclama do salário e da condição das escolas, mas não de sua própria formação.
Apesar dos problemas, 68% dos pedagogos se sentem bem preparados, de acordo com dados do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).
Muita teoria e pouca prática formam docente
Graduação para professores no Brasil tem 10% de estágio; conhecimentos específicos ocupam boa parte da grade
"Não dá para formar um professor só lendo Piaget."
A frase é do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, em alusão à carga teórica dos cursos que formam docentes para a escola básica, como a literatura de Jean Piaget, pensador do século 20.
Foi dita recentemente em encontro com mil secretários municipais da área de ensino. Arrancou aplausos.
A declaração sintetiza a avaliação dos gestores de que a formação universitária dos futuros professores da educação básica é um dos entraves para a melhoria da qualidade do ensino no país.
A reclamação é que os futuros docentes têm muito contato com teóricos da educação, mas terminam o curso despreparados para enfrentar salas de aulas.
CARGA HORÁRIA
Um dos mais amplos estudos no país sobre currículos das licenciaturas foi feito recentemente pelas fundações Victor Civita e Carlos Chagas.
O trabalho apontou que nos cursos de licenciatura do país que formam professores de português e de ciências, a carga horária voltada à docência fica em 10%.
Já o tempo destinado aos conhecimentos específicos das áreas passa dos 50%.
"Os professores chegam às escolas com bom conhecimento da sua disciplina, mas não sabem como ensinar", disse à Folha o secretário estadual de Educação de São Paulo, Herman Voorwald.
Na opinião do secretário, cuja rede tem 200 mil professores, um docente de matemática, por exemplo, é muito mais um matemático do que um professor.
Para Voorwald, as licenciaturas deveriam ter menos conteúdos específicos das matérias e mais técnicas sobre como dar aulas.
Presidente da comissão de graduação da Faculdade de Educação da USP, Manoel Oriosvaldo discorda que a formatação dos cursos de pedagogia e de licenciatura seja responsável pela má qualidade do ensino básico.
"Com o salário que se paga ao professor, é difícil convencer um jovem a assumir uma sala de aula", afirma. "Se as condições de trabalho melhoram, sobe o nível de quem seguirá na carreira."
Especificamente sobre os currículos, ele diz que diminuir a teoria dos cursos "simplifica o papel do professor".
Para Oriosvaldo, a teoria permite que o professor consiga refletir sobre sua atividade constantemente. E corrigi-la quando necessário.
Além disso, o docente deve ter condição de ensinar aos alunos o histórico que levou à resolução de uma equação, por exemplo. Assim, o jovem conseguirá também produzir conhecimento.
SEM MUDANÇAS
A maioria dos alunos e dos coordenadores dos cursos de formação de professores tem avaliação semelhante à do professor da USP, mostra estudo feito pela Fundação Lemann, a pedido da Folha.
O trabalho aponta que há menos coordenadores de cursos de pedagogia ávidos por mudanças em seus currículos (38% das respostas) do que em engenharia civil (50%), por exemplo.
A pedagogia forma professores para atuar com os alunos de seis a dez anos. A partir daí, os demais professores vêm das licenciaturas.
A opinião sobre os cursos foi tabulada a partir das respostas dadas nos questionários do Enade 2011, exame federal de ensino superior.
As respostas mostram também que os formandos em pedagogia se sentem mais bem preparados para a profissão (68%) do que os de engenharia de produção (57%).
Contraditoriamente, o Enade revela que os concluintes dos cursos de formação de professores estão entre os que possuem notas mais baixas em conhecimentos gerais. Pedagogia está na 46ª pior posição, entre 59 cursos.
Especialistas querem residência pedagógica
SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO
A obrigatoriedade da experiência em sala de aula para obter o título de professor é um consenso entre especialistas em formação docente. Mas como deve ser o estágio ainda causa dúvidas.
Na USP, melhor universidade do país de acordo com o RUF (Ranking UniversitárioFolha), a Faculdade de Educação estipula o estágio por etapas ao longo do curso.
A cada nova modalidade aprendida, por exemplo o ensino de artes, o estudante faz um estágio correspondente.
"Isso faz com que o aluno aproveite o conteúdo em aula para aplicar no estágio", explica Marcos Neira, coordenador da Comissão de Pedagogia da universidade.
Na Unicamp, assim como na maioria das universidades, os estágios são concentrados no final da graduação.
Mas o que o diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, Luiz Carlos de Freitas, deseja mesmo é implementar um modelo de residência pedagógica como acontece em países como a Finlândia.
Nesse modelo, o treinamento em sala de aula acontece depois que o professor já tiver cumprido seus créditos.
"Os médicos têm de fazer residência antes de atender um paciente. A mesma coisa deveria acontecer com o professor", argumenta.
"Os estágios são mal acompanhados pelos professores dos cursos superiores e nem sempre são realizados em escolas com bom desempenho pedagógico", afirma Bertha Valle, da Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação).
A adoção da residência pedagógica está em análise pelo Congresso Nacional desde 2012, quando o senador Blairo Maggi (PR-MT) apresentou um projeto de lei que determina a obrigatoriedade da residência pedagógica para obtenção do título de professor.
O projeto ainda não tem data para ser votado.
REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAMesmo entre países desenvolvidos, com bons resultados nas avaliações internacionais de qualidade de ensino, é grande a variedade de modelos de formação de professores, inclusive dentro das fronteiras da mesma nação.
Nos EUA, por exemplo, a Universidade Harvard, considerada a melhor do mundo, oferece a qualquer um de seus alunos de graduação um curso "relâmpago".
São apenas quatro disciplinas, cursadas em dois semestres, acompanhadas de estágios em escolas públicas, o que confere aos graduandos um diploma equivalente, grosso modo, ao de um professor de ensino médio.
Por outro lado, em Cingapura, uma das estrelas do Pisa (sigla inglesa de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), a rigidez na formação é muito maior: ao entrar na faculdade, os futuros professores automaticamente se tornam funcionários do governo e passam a ser monitorados como tal.
"Assim como aqui, em diversos países há o embate entre a visão de que o bom professor precisa ser formado por meio de saberes muito específicos e próprios da profissão, como se fosse um estudante de medicina, e a de que basta conhecer bem o conteúdo e ter o dom de ensinar", diz Paula Louzano, professora da Faculdade de Educação da USP que, em seu trabalho acadêmico, tem comparado esses diferentes modelos.
Apesar dessa diversidade, no entanto, Louzano diz que existem alguns pontos comuns nos sistemas que "dão certo", por assim dizer.
MESTRANDOS
Na Finlândia, outro país-astro do Pisa, o curso de formação de professores equivale a um mestrado, algo que também acontece nas universidades americanas e britânicas com reputação de excelência na área, por exemplo.
"São cinco anos e meio de formação na Finlândia", diz Louzano. "Pode não parecer tão diferente de uma licenciatura daqui porque a pessoa faz um curso específico e depois tem pouco mais de um ano de disciplinas pedagógicas, digamos. Mas uma das diferenças é o fato de isso ser pensado como mestrado."
Encarar a formação de professores como uma pós-graduação ajuda a pensar o campo de forma mais científica, com base em evidências do que funciona na sala de aula, explica ela.
As experiências de sucesso também dão destaque à experiência prática dos futuros professores. No caso finlandês, os estágios em escolas correspondem a cerca de 30% dos créditos de todo o curso.
"Mas mais importante do que o tempo de estágio é a qualidade desse tempo", afirma a professora da USP.
Na Finlândia e nas "ilhas de excelência" dos EUA, por exemplo, há um vínculo institucional claro entre a faculdade e a escola que recebe o aluno estagiário.
"A ideia é que o aluno tenha esse contato com a prática desde que ele põe os pés na faculdade", diz Louzano.
DIRETRIZES CLARAS
As atividades nas escolas da Finlândia vão aumentando de frequência e importância ao longo do curso, com os alunos começando como observadores, passando a ser tutores e, enfim, dando aula praticamente sozinhos.
"E não é qualquer professor que pode receber esses alunos: os professores são escolhidos a dedo e atuam como co-orientadores do universitário, em pé de igualdade com o orientador dele na universidade", explica.
Louzano reconhece que isso é mais fácil de colocar em prática em países relativamente pequenos, com grande controle do Estado sobre a formação dos professores.
"Mas o que nós podemos fazer, num ambiente em que há muito mais faculdades e desníveis entre elas, como aqui no Brasil, é estabelecer diretrizes mais claras para os currículos [de formação de professores] e não tão gerais como as que existem hoje."
DE SÃO PAULOQuem dá aula no ensino básico do Brasil, em geral, não fez pedagogia ou licenciatura em universidades públicas -avaliadas como as melhores do país. "Aqui formamos, na maioria, pensadores e gestores de educação", conta Luiz Carlos de Freitas, diretor da Faculdade de Educação da Unicamp.
Na linha contrária, estão instituições privadas como a Uninove (Universidade Nove de Julho), instituição que mais forma pedagogos no Brasil (foram 1.279 mil em 2011), e a Unip (Universidade Paulista), maior complexo educacional do Brasil em quantidade de estudantes.
A Folha assistiu a algumas aulas de pedagogia da Unip no campus do Paraíso (zona sul de São Paulo) para ver o que os alunos aprendem.
Encontrou uma turma aprendendo a montar uma brinquedoteca na escola e outra discutindo relações étnico-raciais na escola.
Uma pesquisa da própria Unip mostra que, do total de alunos do curso de pedagogia, 85,5% estudaram em escolas públicas regulares.
Para ter uma ideia do que isso significa, 51,4% dos alunos de pedagogia da USP vieram do ensino médio público. A porcentagem é maior do que a média geral da USP, que gira em torno de 35% de egressos da escola pública.
Na Unip, 8,6% são egressos da EJA (Educação de Jovens e Adultos, modalidade voltada para os jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram os estudos no ensino médio normal). Apenas 6% frequentaram escolas particulares regulares.
Descontadas as exceções, as escolas de onde vêm os que vão alfabetizar as crianças do futuro ostentam aquele jeitão típico: pichações, grades de segurança, professores desmotivados ou sem professores, já que parte das escolas públicas não preenche o seu quadro docente.
'EXPULSOS' DA ESCOLA
"Os alunos entram aqui sem dominar os rudimentos do pensamento lógico, da língua portuguesa e da matemática", explica o coordenador da carreira nos 22 campi da Unip, Nonato Assis de Miranda, 48. "Como nossa tarefa é incluí-los no ensino superior, trabalhamos para reduzir o deficit de aprendizado que eles carregam ao chegar", diz.
No ano passado, a Unip formou 660 professores. Para efeito de comparação, o curso de educação da USP formou cerca de 15% da gigante privada.
A reportagem perguntou à vice-reitora de graduação da Unip, Marília Ancona Lopez, 71, sobre evasão de alunos, que, em pedagogia, gira em torno de 30% no Brasil. "Evasão é um luxo que nossos alunos não podem se dar."
RICARDO MIOTODE SÃO PAULO
Cursos de formação fora do Brasil vão de um a cinco anos
Em países como a Finlândia, com alto desempenho em educação, curso para professores equivale a mestrado
Nos EUA, por exemplo, a Universidade Harvard, considerada a melhor do mundo, oferece a qualquer um de seus alunos de graduação um curso "relâmpago".
São apenas quatro disciplinas, cursadas em dois semestres, acompanhadas de estágios em escolas públicas, o que confere aos graduandos um diploma equivalente, grosso modo, ao de um professor de ensino médio.
Por outro lado, em Cingapura, uma das estrelas do Pisa (sigla inglesa de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), a rigidez na formação é muito maior: ao entrar na faculdade, os futuros professores automaticamente se tornam funcionários do governo e passam a ser monitorados como tal.
"Assim como aqui, em diversos países há o embate entre a visão de que o bom professor precisa ser formado por meio de saberes muito específicos e próprios da profissão, como se fosse um estudante de medicina, e a de que basta conhecer bem o conteúdo e ter o dom de ensinar", diz Paula Louzano, professora da Faculdade de Educação da USP que, em seu trabalho acadêmico, tem comparado esses diferentes modelos.
Apesar dessa diversidade, no entanto, Louzano diz que existem alguns pontos comuns nos sistemas que "dão certo", por assim dizer.
MESTRANDOS
Na Finlândia, outro país-astro do Pisa, o curso de formação de professores equivale a um mestrado, algo que também acontece nas universidades americanas e britânicas com reputação de excelência na área, por exemplo.
"São cinco anos e meio de formação na Finlândia", diz Louzano. "Pode não parecer tão diferente de uma licenciatura daqui porque a pessoa faz um curso específico e depois tem pouco mais de um ano de disciplinas pedagógicas, digamos. Mas uma das diferenças é o fato de isso ser pensado como mestrado."
Encarar a formação de professores como uma pós-graduação ajuda a pensar o campo de forma mais científica, com base em evidências do que funciona na sala de aula, explica ela.
As experiências de sucesso também dão destaque à experiência prática dos futuros professores. No caso finlandês, os estágios em escolas correspondem a cerca de 30% dos créditos de todo o curso.
"Mas mais importante do que o tempo de estágio é a qualidade desse tempo", afirma a professora da USP.
Na Finlândia e nas "ilhas de excelência" dos EUA, por exemplo, há um vínculo institucional claro entre a faculdade e a escola que recebe o aluno estagiário.
"A ideia é que o aluno tenha esse contato com a prática desde que ele põe os pés na faculdade", diz Louzano.
DIRETRIZES CLARAS
As atividades nas escolas da Finlândia vão aumentando de frequência e importância ao longo do curso, com os alunos começando como observadores, passando a ser tutores e, enfim, dando aula praticamente sozinhos.
"E não é qualquer professor que pode receber esses alunos: os professores são escolhidos a dedo e atuam como co-orientadores do universitário, em pé de igualdade com o orientador dele na universidade", explica.
Louzano reconhece que isso é mais fácil de colocar em prática em países relativamente pequenos, com grande controle do Estado sobre a formação dos professores.
"Mas o que nós podemos fazer, num ambiente em que há muito mais faculdades e desníveis entre elas, como aqui no Brasil, é estabelecer diretrizes mais claras para os currículos [de formação de professores] e não tão gerais como as que existem hoje."
Docente que está na escola fez pedagogia em faculdade privada
Cursos de universidades públicas renomadas como USP e Unicamp formam mais 'pensadores' em educação
Na linha contrária, estão instituições privadas como a Uninove (Universidade Nove de Julho), instituição que mais forma pedagogos no Brasil (foram 1.279 mil em 2011), e a Unip (Universidade Paulista), maior complexo educacional do Brasil em quantidade de estudantes.
A Folha assistiu a algumas aulas de pedagogia da Unip no campus do Paraíso (zona sul de São Paulo) para ver o que os alunos aprendem.
Encontrou uma turma aprendendo a montar uma brinquedoteca na escola e outra discutindo relações étnico-raciais na escola.
Uma pesquisa da própria Unip mostra que, do total de alunos do curso de pedagogia, 85,5% estudaram em escolas públicas regulares.
Para ter uma ideia do que isso significa, 51,4% dos alunos de pedagogia da USP vieram do ensino médio público. A porcentagem é maior do que a média geral da USP, que gira em torno de 35% de egressos da escola pública.
Na Unip, 8,6% são egressos da EJA (Educação de Jovens e Adultos, modalidade voltada para os jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram os estudos no ensino médio normal). Apenas 6% frequentaram escolas particulares regulares.
Descontadas as exceções, as escolas de onde vêm os que vão alfabetizar as crianças do futuro ostentam aquele jeitão típico: pichações, grades de segurança, professores desmotivados ou sem professores, já que parte das escolas públicas não preenche o seu quadro docente.
'EXPULSOS' DA ESCOLA
"Os alunos entram aqui sem dominar os rudimentos do pensamento lógico, da língua portuguesa e da matemática", explica o coordenador da carreira nos 22 campi da Unip, Nonato Assis de Miranda, 48. "Como nossa tarefa é incluí-los no ensino superior, trabalhamos para reduzir o deficit de aprendizado que eles carregam ao chegar", diz.
No ano passado, a Unip formou 660 professores. Para efeito de comparação, o curso de educação da USP formou cerca de 15% da gigante privada.
A reportagem perguntou à vice-reitora de graduação da Unip, Marília Ancona Lopez, 71, sobre evasão de alunos, que, em pedagogia, gira em torno de 30% no Brasil. "Evasão é um luxo que nossos alunos não podem se dar."
Salário varia entre menos que o piso e padrão finlandês
Diferença entre Estados passa os 200%, mas impacta pouco no desempenho
Em uma comparação internacional, o tão discutido piso salarial dos professores, fixado em R$ 1.567, coloca o Brasil atrás de México e Argentina e junto às nações do Leste Europeu.
Dois fatores relativizam tal número, porém. Um é que vários Estados não cumprem o piso. Cinco governadores (MS, PR, SC, RS e CE), em 2012, inclusive foram ao Supremo Tribunal Federal questionar a lei.
Alguns Estados, porém, pagam além do valor federal.
No Distrito Federal, o salário inicial com gratificações é R$ 4.300 -em paridade no poder de compra, ultrapassa o da Finlândia. O teto é de R$ 8.000. O piso no Estado vizinho, Tocantins, também é maior que R$ 3.000.
Se já é difícil, em função das variações regionais, saber se o salário é bom, a discórdia segue quando se pergunta se aumentá-lo traria soluções.
Sindicatos e boa parte dos pedagogos das universidades públicas fazem comparações.
Na média, um engenheiro civil ganha mais do que o dobro de um professor de educação básica da rede pública. Isso criaria desmotivação.
Eles pedem 10% do PIB indo obrigatoriamente à educação -hoje, são cerca de 6%.
Já a maioria dos especialistas em gestão da educação, em geral vinculados à área de economia, discordam. O mais famoso deles é o economista Gustavo Ioschpe.
Para ele, aquilo que é bom para o professor -mais salário, mais férias, estabilidade e liberdade para montar seu plano de aulas- é "irrelevante ou até maléfico" ao aluno.
O que melhora a educação de fato, diz Ioschpe, jamais seria defendido por sindicatos, pois envolve mais esforço: passar mais lição de casa, mais provas, preparar mais as aulas e estudar mais a sua própria disciplina.
"[Os bons] Parecem não fugir do magistério pelo valor do salário, mas por ele não ter relação alguma com desempenho. Nenhum deles quer ganhar o mesmo que os vagabundos e os incompetentes", defende o economista.
Para esse grupo, um professor ruim com um salário maior continua sendo ruim.
AVALIAÇÃO E SALÁRIO
O desempenho dos Estados em testes como o Ideb, exame federal que mede a qualidade no ensino, parece não revelar muita relação com o salário médio.
Tocantins, por exemplo, fica abaixo da média. Santa Catarina está entre os primeiros, e o Ceará é o melhor do Nordeste -ambos questionaram no STF o piso nacional.
O debate salarial anda junto a uma discórdia maior, sobre os objetivos da escola.
Uma bandeira da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação é a felicidade na escola.
A "formação para a vida" contrasta com o excesso de provas cobrando conteúdo, e a pedagogia "punitiva" que "só serve ao capital".
Já os opositores admiram o ministro da Educação de Portugal, Nuno Crato. Ele tem dito que não adianta educação cívica se os formandos saem incapazes de ler jornal.
Ele defende forçar alunos a ler e a decorar a tabuada, mesmo que a princípio não gostem, até que tornem essas ações automáticas e avancem nos estudos.
Derivam da guerra várias batalhas, como a inclusão de sociologia e filosofia na escola e a idade de alfabetização.
Veja a opinião de João Batista Araújo e Oliveira, secretário executivo do MEC na gestão FHC: "A ciência mostra que a criança deve ser alfabetizada aos seis anos. Depois, fica atrasada. E temos matérias demais. Português e matemática deveriam ter primazia. Na faculdade de pedagogia, não se aprende conteúdo ou técnica, só teorias desatualizadas".
Compare com Dalila Oliveira, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação: "Nunca é tarde para aprender a ler, e é ótimo que alunos desenvolvam conceitos sociológicos e filosóficos para entender o mundo".
"Creio ser temerário inserir a lógica empresarial na coisa pública. O fim da educação é a emancipação, não a nota no Ideb."
Curso de pedagogia segue preso a referências teóricas que não evoluíram, apesar de a escola ter mudado
HÉLIO SCHWARTSMANCOLUNISTA DA FOLHA
Já ouvi mais de uma vez da boca de "produtivistas"(os que enfatizam os resultados) que a melhor reforma educacional para o Brasil seria simplesmente fechar todos os cursos de pedagogia.
O chiste é forte e, claro, despropositado. Mas, como toda piada, captura, ainda que de forma distorcida, uma dimensão do problema.
Os cursos de pedagogia estão formando bons professores? E as licenciaturas? Qual a carga ideal de matérias teóricas e práticas?
Estariam essas áreas sendo vítimas de uma espécie de maldição da teoria, como sugerem os "produtivistas"?
A questão é capciosa. De um lado, a teoria é inescapável. Embora nem sempre nos demos conta, até as mais triviais observações que fazemos vêm carregadas, se não de uma ideologia com intenções político-partidárias, pelo menos de uma ontologia à qual nem a mais positiva das ciências consegue escapar.
O simples fato de eu dizer que o sol vai nascer amanhã, como demonstrou David Hume, já implica uma série de pressupostos teóricos, como o de que induções são uma forma válida de interpretar o mundo, para os quais não existem garantias lógicas.
Daí, entretanto, não decorre que devamos nos esbaldar livremente em teorias. Elas podem ser perigosas.
Uma das mais nocivas práticas médicas, a sangria, estava baseada na teoria dos humores e só perdurou por séculos e séculos porque, como todos confiavam no modelo, ninguém se preocupou em medir seus resultados.
O que distingue a ciência da teologia e dos delírios dos psicóticos é que a primeira é mantida sob as rédeas de uma realidade mensurável.
Para complicar um pouco mais as coisas, os que acreditam no poder das induções sabem que mesmo as melhores teorias, inclusive aquelas que proporcionam tecnologias confiáveis como aviões e aparelhos de GPS, estão pelo menos parcialmente erradas e serão num futuro não muito remoto substituídas por outros modelos. Esse pelo menos foi o destino de todas as teorias até aqui.
Isso significa que devemos desconfiar de disciplinas que coloquem muita ênfase em autores mais antigos, a exemplo do que fazem a psicanálise com Freud e certa pedagogia com Piaget.
Não se trata, é claro, de ignorar que as ciências tenham um passado nem de negar a importância desses pensadores pioneiros.
Mas, se após algumas décadas de desenvolvimento as referências não evoluem e mudam, é grande a probabilidade de que esse ramo do conhecimento fique encalacrado no passado. Preso a uma bolha teórica, torna-se imune ao presente, num comportamento que lembra mais o observado em templos do que em academias.
A constatação de que os pedagogos estão satisfeitos com o curso é mais um indício de que caíram na maldição da teoria. Uma ciência pujante é por definição inconformista, só em raros momentos entusiasmada.
O melhor antídoto contra esses riscos é manter os "reality checks", ou seja, o confronto com dados empíricos.
Seria um despautério fechar os cursos de pedagogia e uma temeridade abandonar toda reflexão teórica, mas os "produtivistas" estão certos em cobrar os educadores por seus resultados no ensino.
Se uma ciência instrumental como a pedagogia se revela incapaz de entregar o produto para o qual foi concebida, é porque ela está com um sério problema teórico, prático ou de ambos os tipos.
FLÁVIA FOREQUEDE BRASÍLIA
Falta referência nacional para currículo nas escolas
De acordo com especialistas, exames como o Enem guiam os professores
Está na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação): o currículo da educação básica do Brasil deve ter uma "base nacional comum", a ser acrescida de outros conteúdos a partir da realidade local, a critério de cada escola.
Para especialistas, entretanto, não é isso que acontece: falta uma referência verdadeiramente nacional e específica sobre o conteúdo que estará na lousa do professor.
Hoje, afirmam, não há uma clareza sobre quais conhecimentos serão repassados. Que clássicos devem ser lidos? Que momentos históricos devem ser aprofundados?
"Se você adota um currículo detalhado, no dia seguinte você passa a cobrar resultados. É uma ferramenta muito poderosa de controle social", afirma Ilona Becskeházy, consultora de educação.
Outros argumentam que detalhar demais pode engessar o trabalho do docente em sala de aula e, no fundo, demonstra desconfiança sobre a formação do professor.
"Querem descobrir uma fórmula mágica para que esse professor reproduza um determinado conhecimento, como se fosse uma máquina", afirma Dalila Oliveira, presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação).
O tema ainda está longe de ser unanimidade entre os atores do setor. Mudanças no atual modelo são uma antiga demanda.
Em conjunto com o Consed (Conselho de Secretários Estaduais de Educação), o Ministério da Educação pretende sugerir uma reformulação do currículo do ensino médio. A proposta deveria ter sido apresentada em junho, mas foi adiada.
SOPA DE LETRAS
Além da LDB, escolas de todo o país devem seguir o que está previsto nas DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais), feitas pelo Conselho Nacional de Educação.
Elas também devem se guiar pelo que é definido em instâncias estaduais e municipais. Além disso, o MEC tem documentos que podem servir como orientadores para as escolas, como os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e os RCNs (Referenciais Curriculares Nacionais).
Na prática, educadores ponderam que esse emaranhado de siglas não é o verdadeiro norteador da escola.
"Quem está orientando a construção dos currículos hoje é o sistema nacional de avaliação", diz Marcos Cordiolli, autor do livro "Currículo Escolar: Teorias e Práticas" (editora Melo). E esse sistema pode ser resumido em duas avaliações: Prova Brasil e Enem.
A primeira é aplicada no 5º e no 9º ano do fundamental e mede a qualidade das escolas públicas de todo o país.
A outra, o Enem, vem substituindo os vestibulares de universidades federais. É justamente o ensino superior que também motiva debates sobre mudanças no currículo da educação básica.
ESPECIFICIDADES
Autor de doutorado defendido na USP sobre o currículo de matemática do ensino médio, José Carlos Costa afirma que o conteúdo hoje dado nessa etapa é "genérico", incapaz de atender às necessidades de alunos.
Afinal, questiona, por que um aluno que planeja estudar ciência política precisa ter as mesmas aulas de matemática que um que sonha em cursar engenharia?
Ele ressalta, porém, que o "segredo da boa educação" não está no bom método, e sim no bom profissional.
"Discutir currículo sem falar de formação é como contratar um time sem dar a bola", compara Daniel Cara, que é coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
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