7 de agosto de 2013

MATIAS SPEKTOR Algo melhor


O debate de política externa melhoraria se intelectuais tucanos oferecessem uma alternativa a seus rivais
Dilma acaba de assinar a lei que cria um Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. É a primeira vez que uma entidade terá competência exclusiva para visitar prisões, centros de detenção militar e hospitais, mesmo privados. Poderá documentar casos de abuso e demandar soluções.
No primeiro semestre de 2012, houve 877 denúncias de tortura no país. Registraram-se 932 em seis meses deste ano, mais de cinco por dia.
O projeto de lei original previa que todos os peritos seriam indicados pela Presidência da República. A sociedade civil caiu em cima e ganhou a briga no Congresso. Há hoje um comitê consultivo que decide.
A resistência a criar um mecanismo dessa natureza foi formidável. Em Brasília, muitas autoridades alegam que a responsabilidade por combater a tortura não é da União.
Há pouco mais de um ano, em Harvard, Dilma disse assim: "Eu sei o que acontece... Não tenho como impedir, em todas as delegacias do Brasil, de haver tortura".
A pressão da sociedade civil organizada e o clamor das ruas a fizeram mudar de opinião. Para melhor.
Há duas semanas, afirmei que o debate de política externa tem sido vítima de uma empobrecedora polarização PT-PSDB. As vozes que misturam arrogância e ignorância podem ser ouvidas dos dois lados.
Por isso, celebrei uma conferência recente sob auspícios do PT. Contrariamente ao que esperava, encontrei gente menos preocupada em endeusar Lula e criticar FHC do que em democratizar a política externa e pô-la a serviço da redução das desigualdades.
Não sou petista e discordo de muito do que li e ouvi, mas há gente de primeiro nível produzindo coisas novas que merecem discussão.
Tampouco sou tucano, mas lamentei a ausência de iniciativa similar em campo oposicionista.
O superintendente da Fundação iFHC não gostou. Partiu para o ataque, seguindo a cartilha.
Sem compunção, Sergio Fausto afirmou: "Não estive na conferência nem tive acesso ao que ali foi discutido". O material está disponível na internet.
Porém, desinteressado por substância, ele descartou o encontro de antemão. E decidiu apelar para velhas cantilenas.
Afirmou que Lula acobertou vizinhos de talho autoritário, em referência a Chávez. Sobre o apoio diplomático do tucanato a Fujimori, nada. Repetiu que Lula fez diplomacia ideológica. Sobre a poderosa ideologia por trás da diplomacia de FHC, silêncio.
Alguma contraproposta à conferência petista? Claro que não.
Alguma sugestão prática? Sim: examine-se criticamente a década petista, sugeriu. Não a tucana.
O deserto de ideias é um problema bem identificado pelo próprio FHC. "Se as oposições pretenderem sobreviver ao cataclismo, a hora é agora", escreveu domingo passado.
A qualidade de nosso debate público sobre política externa melhoraria muito se os intelectuais tucanos saíssem da toca, ouvissem atentamente o que seus opositores à esquerda estão começando a dizer e tentassem oferecer, então, uma alternativa melhor.

Folha de S.Paulo, 7/8/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário