Estudo prevê que mudanças climáticas provocarão aumento de até 50% no número de conflitos sociais
CESAR BAIMA (EMAIL)
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RIO - O aquecimento global também deverá deixar as pessoas com a cabeça mais quente, aumentando o número de conflitos sociais em todo mundo. A previsão é de pesquisa publicada na edição desta semana na revista “Science”, que congregou dados de 60 estudos realizados nos últimos anos em busca de ligações entre períodos de mudanças climáticas e eventos meteorológicos extremos com casos de violência, abrangendo desde brigas domésticas na Índia e Austrália a assaltos, assassinatos e estupros nos EUA e Tanzânia, brutalidade policial na Holanda, invasões de terras no Brasil, guerras civis na África ou mesmo o colapso da civilização Maia no primeiro milênio depois de Cristo.
Segundo os pesquisadores das universidades da Califórnia em Berkeley e de Princeton, mesmo pequenas variações na temperatura e no regime de chuvas elevam significativamente o risco de eclosão de conflitos, podendo chegar a uma alta de 16% nos casos de violência interpessoal e de 50% nos confrontos entre grupos até 2050 em algumas regiões do planeta. Para chegar a esta conclusão, os cientistas revisaram os dados de estudos sobre a influência das mudanças climáticas no comportamento de indivíduos e de grupos sociais em áreas tão díspares como climatologia e arqueologia, passando por economia, ciências políticas e psicologia.
— Mas o que ainda estava faltando era um retrato mais claro do que estas pesquisas como um todo estavam nos dizendo — conta Solomon Hsiang, principal autor do estudo, que iniciou quando estava em Princeton e hoje é professor em Berkeley. — Assim, coletamos 60 estudos que tinham 45 diferentes conjuntos de dados, reanalisando-os sob uma mesma estrutura estatística, e os resultados foram notáveis.
Diferentes tipos de conflitos
De início, Hsiang e seus colegas, Marshall Burke e Edward Miguel, ambos também baseados em Berkeley, adotaram uma definição ampla para conflitos, dividindo-os em três categorias de forma a abranger múltiplos níveis de organização social: violência pessoal, que inclui crimes como assassinatos, assaltos, estupros e violência doméstica; violência intergrupos e instabilidade política, como guerras civis, manifestações violentas, violência étnica e invasões de terras; e colapsos institucionais, abarcando alterações abruptas nas formas de governo e instituições a ele ligadas e o fim de civilizações. Eles então verificaram que os três tipos de conflitos apresentavam uma sistemática e forte resposta às mudanças no clima, com o efeito mais forte na violência intergrupos.
O grande desafio do trabalho, porém, foi encontrar uma forma de harmonizar e comparar os estudos feitos em diversas regiões do mundo, que diferem tanto na natureza de seus eventos climáticos. Para isso, os pesquisadores pegaram emprestado um conceito estatístico conhecido como “desvio padrão”.
— Verificamos que um “desvio padrão” em direção de uma temperatura mais quente aumenta as chances de casos de violência pessoal em 4% e de conflitos intergrupos em 14% — diz Burke. — Para dar uma noção de escala, esta mudança na temperatura equivale a um aquecimento de 0,4 grau Celsius em um país africano durante um ano, ou a elevação da temperatura média de um condado nos EUA em 3 graus Celsius durante um mês. São alterações moderadas, mas que têm um impacto significativo no comportamento da sociedade.
Os pesquisadores defendem que seus achados acrescentam uma nova dimensão à luta contra as mudanças climáticas provocadas pela ação humana, acrescentando que entender melhor a maneira como o clima afeta o comportamento violento e a eclosão de conflitos é uma questão premente de futuros estudos.
— Estamos na mesma posição que os médicos estavam nos anos 30: eles podiam encontrar claras evidências estatísticas ligando o fumo ao câncer de pulmão, mas só conseguiram explicar esta relação muitos anos depois. Da mesma forma, podemos demonstrar que os eventos climáticos causam conflitos, mas não podemos dizer exatamente o por quê — compara Hsiang. — Atualmente, várias hipóteses explicam por que o clima pode influenciar os conflitos. Por exemplo, sabemos que mudanças no clima afetam as condições econômicas, particularmente nas economias agrárias, e estudos sugerem que as pessoas ficam mais dispostas a pegar em armas quando a economia se deteriora para manter seus meios de vida.
Burke, por sua vez, considera que provavelmente múltiplos mecanismos atuam nesta relação entre clima e violência, já que nenhuma teoria isolada pode explicar todos os casos:
— Estudos que mostraram que altas temperaturas aumentam os crimes violentos nos EUA, e outras sociedades ricas parecem sugerir que as respostas fisiológicas são importantes também, com pequenas exposições ao calor excessivo contribuindo para um comportamento mais agressivo e violento.
E embora seu estudo tenha identificado uma forte ligação entre clima e violência, os pesquisadores alertam que ele não é a única ou principal causa dos conflitos.
— Digamos que estudamos dados de acidentes de carros e vemos que eles são mais prováveis em dias chuvosos. Isso quer dizer que a chuva é o único fator responsável? Claro que não. Erros dos motoristas são a causa final dos acidentes, mas a chuva os faz mais prováveis. Da mesma forma, os conflitos podem eclodir por variadas razões que só se tornam mais prováveis quando o clima piora — diz Hsiang.
http://oglobo.globo.com/ciencia/tempo-de-violencia-9324062#ixzz2anyuDKYr
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