26 de fevereiro de 2010

8. O decisivo desenvolvimento científico, artigo de Joaquim Falcão


"China e Estados Unidos competem e divergem. Mas, pelo menos num ponto, ambos estão de acordo"

Joaquim Falcão é professor da FGV Direito Rio. Artigo publicado no "Correio Braziliense":

China e Estados Unidos competem e divergem. Mas, pelo menos num ponto, ambos estão de acordo. É sobre qual deve ser o fator decisivo na disputa pela hegemonia no mundo. Se é que essa hegemonia ainda é possível na multipolaridade. Não será a política econômica sozinha. A política de desenvolvimento científico será, já é, um fator estratégico indispensável. Decisivo, talvez.

Não foi por menos, e passou quase desapercebido, que o único setor do orçamento americano para o qual Obama pediu ao Congresso um aumento, se não me engano, de cerca de 5%, foi o que diz respeito ao estímulo a pesquisas científicas. É sua prioridade recôndita.

A China, por sua vez, aumenta cada vez mais o componente tecnológico em seus produtos de exportação. Não se pretende no futuro como exportador de produtos de baixa tecnologia. Desenhou uma política científica de altos investimentos em green technology, sendo a poluição um dos fatores inibidores do desenvolvimento social e econômico do país. Sobretudo em biotecnologia aplicada à área da saúde para poder enfrentar os crescentes e insuportáveis custos da atual medicina. Basta constatar no mundo inteiro que não importa o modelo, a legislação, os planos ou os sistemas de saúde.

Todos são deficitários e insuportáveis para o conjunto da população. O desafio à nova medicina é assegurar a nova saúde. O que não se faz sem pesquisa intensiva. E, finalmente, na tecnologia da alimentação, para aumentar a produção agrícola e bem alimentar os chineses e o mundo.

Nesse contexto, o professor Sandoval Carneiro Junior, da Capes, tem apresentado importantes estatísticas sobre nosso desempenho ante o resto do mundo. Com base no Instituto para Informação Científica dos EUA, um expressivo crescimento de artigos em publicações científicas estaria ocorrendo nos últimos 20 anos em algumas áreas científicas do Brasil. Constata-se, por exemplo, a partir da década de 1990, crescimento quase exponencial, em primeiro lugar, da clínica médica, seguida pelas ciências de animais e plantas, e química. Física depois.

Na América Latina, muito nos distanciamos dos demais países, México e Argentina, inclusive. E, no mundo, dos países que integram essa base, a produção de artigos científicos no Brasil foi a que mais cresceu, seguido pela China, Turquia e Espanha. Os Estados Unidos ainda lideram todas as estatísticas, com vantagem, mas está relativamente desacelerando, sobretudo quando comparada com China e Brasil.

A publicação de artigos em revistas especializadas é apenas um dos múltiplos indicadores da produção científica. Mas não seria de espantar que esse aumento esteja refletindo um ambiente mais geral. Afinal, temos consolidadas instituições de pesquisa científica de padrão competitivo internacional: Fiocruz e Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro, Embrapa, em Brasília, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em São Paulo, e Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, em Manaus, entre outras. A Unicamp é, a partir deste ano, instituição reconhecida internacionalmente para indicar nomes ao Prêmio Nobel de Medicina, e poderá indicar até 10 nomes de pesquisadores brasileiros.

Dois outros indicadores, no entanto, ainda estão a preocupar. O primeiro é não crescermos no número de registros de patentes. Afinal, a pesquisa é apenas um ciclo do processo de desenvolvimento que implica pesquisa, registro de patentes, aumento da receita econômica, geração de emprego e bem-estar da população. Um dos motivos para o ainda muito insuficiente registro de patentes pode ser o fato de que os pesquisadores optaram por registrar suas descobertas nos EUA, e não no Brasil.

São contadas como americanas. E preferem nos EUA porque lá é mais rápido, menos burocrático e porque existe um mercado de negócios sobre patentes mais desenvolvido. No Brasil, um depósito de patentes leva anos, e não é integrado internacionalmente de forma automática. Como nas patentes leva quem chega antes, é mais prático e mais barato fazer lá.

O Brasil precisa investir para tornar o modelo brasileiro de registro de patentes mais rápido, mais simples e mais integrado, de forma que uma patente aqui possa ser automaticamente depositada também em mercados mais desenvolvidos, como EUA e Europa.

Um segundo indicador onde nosso desempenho é ainda insuficiente é o de pesquisadores científicos. Temos apenas 10% do número de pesquisadores que a China tem. E esta menos apenas 5% do número que os Estados Unidos têm. Enquanto a Alemanha tem 35 doutores por cada 100 mil habitantes, temos apenas 0,8.

O paradoxo dessa situação é o seguinte. Temos nos desenvolvido relativamente bem. O investimento em doutores, artigos, revistas científica, pesquisadores e instituições é o caminho. A política científica será decisiva para o sucesso da política econômica e, no entanto, provavelmente esta não será uma prioridade na campanha presidencial. O combate à Aids, o etanol de cana, a produção petrolífera em águas profundas, o desenvolvimento da aviação civil, tudo indica que vale a pena investir. Ocorre que ciência é longo prazo. Voto, não.





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