OPINIÃO
O microblog é a primeira rede de conversação mundial, mas está se tornando moralmente desabitado; é preciso uma ação radical para salvá-lo
Estou ponderando há um ano se deveria abandonar primeiro o Twitter ou o Facebook, mas a questão sempre pareceu teórica --e óbvia: o Twitter é essencial para o trabalho, enquanto o Facebook, cada vez mais sobrecarregado por publicidade, questões de segurança e disputas de propriedade intelectual, não.
Mas o que tenho visto no Twitter é uma deserção moral, que me leva a considerar por quanto tempo ficar ali.
As melhores estimativas indicam que o número de contas do Twitter continua alto, em mais de 500 milhões. Mas algumas das pessoas interessantes optaram pelo silêncio. Seus tuítes estão se tornando mais "profissionais" e menos espontâneos.
Muitas das celebridades, jornalistas, empreendedores e políticos que contam com mais seguidores começam a censurar as minúcias de suas vidas --os relacionamentos, as bebedeiras, os relatos em primeira pessoa de distúrbios que no passado tornavam aquilo tão divertido.
AGRESSÕES
Acima de tudo, porém, algumas das mulheres mais conhecidas do serviço de microblogs se viram forçadas a dedicar cada vez mais tempo à defesa de seu espaço on-line contra ameaças de estupro, de morte e contra os "trolls", problema mais insidioso.
Embora o Facebook seja maior, com mais de um bilhão de usuários, ele ainda é uma "rede", enquanto o Twitter se transformou em um serviço mundial de notícias sem censura e sem precedentes.
Um documentário do canal de notícias americano CNBC afirma que 70% dos usuários do Twitter verificam sua página três minutos depois de acordar. Na minha casa, isso seria considerado lento.
Entre os jornalistas, o Twitter substituiu as agências de notícias: basta acompanhar alguém que você sabe que está na linha de frente de uma determinada cobertura e você terá não só relatos em primeira mão, mas usualmente corroboração ou ajustes em poucos segundos.
Assim, seria um desastre que o Twitter se tornasse disfuncional. Mas o risco existe.
AÇÃO COLETIVA
Desde que participei da cobertura de ameaças de estupro e morte no Twitter contra mulheres britânicas conhecidas, sou alvo constante de "trolls", esses completos desconhecidos que invadem sua página e a inundam de obscenidades ou coisa pior.
Minha resposta foi uma onda de bloqueios tão agressiva que fiquei até com os dedos doloridos. E isso só funcionou por um motivo: sou homem. Na internet, os trolls tomam mulheres por alvo, em sua maioria esmagadora.
Pode-se constatar, em termos gerais, uma alta no assédio organizado contra oponentes políticos, também.
O Twitter, que prevê para o ano que vem um faturamento de US$ 1 bilhão, baseado na venda de publicidade, sabe que existe a chance de que parte de sua base de usuários abandone o site subitamente, cansada de sexismo e de abusos. Esses dois componentes estão se tornando questão de receita e lucro para empresas de mídia social.
A solução precisa ser radical e coletiva, pois há muito em jogo. Policiar abrangentemente o sistema é impossível. O Twitter poderia ajudar se respondesse claramente às autoridades sobre qual é sua política de armazenagem de tuítes apagados por serem considerados ofensivos.
Mas, em última análise, só os usuários poderão salvá-lo. Ao que parece, isso envolverá listas criadas por usuários e compartilhadas, com endereços de contas a bloquear.
O lado negativo seria entregar a uma terceira parte coletiva o controle sobre o que você vê; algumas pessoas poderiam ser bloqueadas injustamente. O nível de raiva cresceria entre aqueles que se divertem agindo como trolls.
Mas o resultado seria como a cena do Juízo Final na Capela Sistina: uma divisão da humanidade on-line entre os salvos e os condenados --mas como resultado do crowdsourcing, e não da intervenção divina.
E isso seria perfeito. Pois a erupção súbita de trolls, ameaças de estupro e psicose em minha página serviu para me lembrar de que ainda existe mal no mundo.
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