12 de outubro de 2013

Desigualdade pode voltar a crescer, diz pesquisador Fernando Veloso


PARA FERNANDO VELOSO, DA FGV, ESTAGNAÇÃO DO ENSINO MÉDIO É PREOCUPANTE E APONTA GARGALO PARA O MERCADO DE TRABALHO

ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO,Folha de S.Paulo, 12/10/2013

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra um quadro de estagnação ou avanço lento de indicadores importantes do ensino médio, como evasão escolar, em 2012.
Para Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, essa tendência é preocupante e pode acabar levando a uma reversão do processo de queda da desigualdade de renda no Brasil.
Segundo o economista, se os gargalos do ensino médio não forem resolvidos, a demanda por profissionais mais qualificados esbarrará em um problema crescente de oferta, aumentando o retorno salarial por maior escolaridade.
"Não dá para fazer afirmações muito fortes ainda, mas há sinais de que essa escassez já está aparecendo na pós-graduação", afirma.
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Folha - Que dado da Pnad mais chamou sua atenção?
Fernando Veloso - A taxa de escolaridade média entre as pessoas com 25 anos ou mais continua subindo. Está tendo progresso principalmente entre as pessoas com pouca escolaridade.
A área em que não houve avanço, o que é preocupante, é o ensino médio. Se você olha, por exemplo, a taxa de frequência entre os jovens de 15 a 17 anos--ou seja o percentual dessa faixa etária que está na escola--esse dado variou muito pouco. Quando você compara 2009 com 2012, houve uma pequena queda. Cerca de 16% desses jovens estão em evasão escolar.
Então, tem uma evasão muito forte e persistente no ensino médio. Além disso, os jovens dessa faixa etária que estão na escola não estão necessariamente no ensino médio. Dependendo do caso, estão no ensino fundamental. Os que estão no ensino médio mesmo representam pouco mais de 50%.
O que é preocupante é que isso não está mudando muito. Outro dado associado a isso é o lento avanço em termos da proporção da população que completou o ensino médio.
Não tem ocorrido então melhora no ensino médio?
É um quadro de estagnação ou avanço muito lento, e, quando olhamos os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) sobre qualidade da educação, isso também aparece. O que a gente nota de progresso é nos anos iniciais do ensino fundamental. Já a qualidade do ensino médio não evolui.
Essas coisas normalmente estão associadas. Se o ensino não desperta o interesse dos alunos, é natural que eles vão ter dificuldade em se formar.
Isso realmente é bastante preocupante porque uma parcela importante da queda da desigualdade da renda do trabalho no Brasil, na última década, está associada a um aumento da escolaridade.
Com a aumento da escolaridade nos anos 2000, aumentou a oferta relativa de educação, então a diferença salarial, o que a gente chama de taxa de retorno da educação, foi diminuída. Quem tinha mais escolaridade passou a ganhar menos em relação a quem tinha menos.
Qual pode ser a consequência dessa estagnação no ensino médio para a desigualdade?
Essa questão do ensino médio é preocupante porque nos Estados Unidos, por exemplo, a desigualdade está aumentando desde o início da década de 80.
Uma das razões pelas quais isso está ocorrendo é que lá há um gargalo importante no ensino médio. Com o surgimento das novas tecnologias, aumentou a demanda por profissionais mais qualificados. E como a taxa de conclusão do ensino médio nos Estados Unidos não aumentou, a oferta não acompanhou a demanda.
Com isso, a diferença de salário entre quem cursou o ensino superior e quem foi só até o ensino médio está aumentando bastante lá.
No futuro, isso pode ser um problema para o Brasil, se esse gargalo do ensino médio continuar. Para que o Brasil cresça, vamos ter de adotar cada vez mais essas tecnologias intensivas em qualificação. E a nossa oferta está dando sinais de que não está sendo capaz de acompanhar.
Então, uma preocupação que eu tenho é que eventualmente essa redução da desigualdade que a gente observou na última década--e teve muito a ver com o progresso da escolaridade--pode ser parcialmente revertida.
Já há sinais de que isso pode começar a ocorrer?
O retorno da educação em pós-graduação no Brasil já está aumentando em relação a outros níveis. Não dá para fazer afirmações muito fortes ainda, mas há sinais de que essa escassez já está aparecendo na pós-graduação.
Por que a melhora ocorrida no ensino fundamental não tem chegado ao ensino médio?
Até alguns anos atrás, existia certa expectativa de que, como estava havendo avanço nos anos iniciais do ensino fundamental, quando esse aluno chegasse ao ensino médio, isso ia se refletir em uma melhoria do ensino médio também. Agora ele já está chegando no início médio e isso não se refletiu em melhoria da qualidade.
Então parece que tem algo muito específico em relação ao ensino médio. Acho que está muito associado ao fato de que nosso ensino médio tem um caráter muito enciclopédico, com inúmeras matérias, e mais e mais matérias estão sendo criadas. Então você não consegue aprofundar realmente os conhecimentos em matemática, em ciências e há um grande gargalo.
No Brasil, há um padrão único para pessoas jovens que têm interesses muito diferentes. Isso diminui o interesse dos alunos e eles não conseguem avançar. O caminho seria flexibilizar, permitir que o aluno seguisse diferentes trajetórias, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto profissionalizante.

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