22 de outubro de 2013

Faculdade chega aos campos de refugiados no Quênia



Por GINANNE BROWNELL
NAIRÓBI, Quênia - Os campos de refugiados de Dadaab, no norte do Quênia, ocupam uma paisagem árida, remota, empoeirada e inóspita, fustigada pelo sol ardente e violentas tempestades de areia que surgem do nada.
Os três primeiros campos foram criados no início da década de 1990, quando a guerra civil na vizinha Somália levou milhares de refugiados a atravessar a fronteira. Desde então, dois outros campos surgiram no deserto. Cerca de 500 mil pessoas vivem aqui, fazendo do lugar o maior complexo de refugiados do mundo.
A proximidade com a Somália torna Dadaab um lugar às vezes perigoso. Vários funcionários de organizações humanitárias foram sequestrados ali nos últimos anos, incluindo dois que foram levados em 2011 e libertados apenas neste ano. No ano passado, um incidente terminou num tiroteio entre sequestradores e soldados quenianos.
Em Dadaab existe acesso a aulas do ensino primário e secundário, mas, para além disso, as oportunidades educacionais têm sido muito limitadas.
Agora foi criado um programa-piloto para oferecer a 400 estudantes dos campos a oportunidade de conquistar diplomas universitários e de licenciatura.
"Muitas pessoas permanecem no complexo de refugiados e ficam ociosas", contou Abdullahi Abdi, 20. "Você não pode imaginar que oportunidade de ouro isso representa para nós."
A ideia surgiu de um programa do World University Service of Canada (Serviço Universitário Mundial do Canadá), que já ofereceu bolsas de estudo em universidades canadenses a 1.350 refugiados de todo o mundo nos últimos 35 anos.
"Inúmeras vezes, os bolsistas do Wusc falavam que, embora fosse fantástico ter essa oportunidade, muitos de seus irmãos e pares continuavam nos campos de refugiados", comentou Jacqueline Strecke, da agência de refugiados da ONU. "O dinheiro gasto para levá-los ao Canadá poderia render muito mais se fossem disponibilizadas oportunidades dentro do próprio campo."
A Universidade York, de Toronto, vai oferecer seu certificado de estudos pedagógicos, com 30 créditos, e a Universidade Kenyatta, de Nairóbi, oferecerá um diploma de licenciatura no ensino primário. Um curso de licenciatura em ensino secundário será dado conjuntamente pela Universidade Moi, do Quênia ocidental, e a Universidade da Colúmbia Britânica.
"Sabíamos que seria um projeto grande, em matéria de recursos, organização e idealização", disse Wenona Giles, professora da Universidade York e líder do projeto. "Vamos ministrar cursos de graduação. Isso não tinha sido feito antes. Foi preciso muita ousadia."
As aulas, que serão presenciais e on-line, acontecerão na cidade de Dadaab. Os estudantes estarão em contato também com mentores no Canadá e no Quênia.
Do primeiro grupo de estudantes, 17% eram mulheres, refletindo o fato de que as garotas tendem a abandonar o ensino secundário devido a pressões familiares e religiosas. O plano é elevar a proporção de mulheres para pelo menos 40%.
Se o programa funcionar, a ideia pode ser levada a outros campos de refugiados. "Com frequência, no mundo humanitário, nos animamos tremendamente com soluções e corremos para tentar levá-las a todos os outros lugares", explicou Mary Tangelder, diretora do programa Educação em Emergências da Universidade de Nairóbi.
A violência jihadista islâmica vem crescendo na África oriental, e há rumores de que militantes somalis do Al Shabaab podem estar vivendo nos campos de refugiados.
"O ensino superior oferece uma alternativa a, por exemplo, ingressar numa milícia ou fazer trabalhos perigosos", disse Giles, da Universidade York. "Dá aos jovens a oportunidade de mudar sua visão do campo de refugiados, uma chance de acessar o ensino superior -uma chance, quem sabe, de voltar a seu país e reconstruir a Somália."

Folha de S.Paulo/New York Times. 22/10/2013

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