20 de outubro de 2013

ELIO GASPARI Para um bom domingo: Banksy


O grafiteiro inglês faz do anonimato suprema forma de celebrização, indicando a grande arte que está nas ruas

Banksy desceu em Nova York. O misterioso grafiteiro inglês, que foi saudado por um editorial do "Times", está alegrando a cidade. Na capital do dinheiro, brincou com ele. No domingo passado botou uma mesinha impessoal no Central Park, oferecendo por 60 dólares gravuras assinadas que, no mercado, valem até US$ 30 mil. Só três pessoas compraram as peças, e uma senhora conseguiu 50% de desconto. As gravuras valiam US$ 225 mil.
Van Gogh pintou 900 quadros e só vendeu um, mas todos têm o direito de achar que seriam capazes de comprá-los, teria faltado apenas a oportunidade. Na tarde de domingo umas mil pessoas passaram batidas pela mesinha dos Banksys. Isso na cidade em que, em 1956, o Museu de Arte Moderna mandou uma carta a um artista pedindo que não lhe mandasse mais quadros, pois não os queria. Chamava-se Andy Warhol, e hoje a Marilyn Dourada é uma das principais peças do seu acervo.
O misterioso Banksy faz do anonimato a suprema forma de estudada celebrização. Não se sabe ao certo quem ele é. Tem cerca de 40 anos, não se deixa fotografar, raramente dá entrevistas (sem mostrar o rosto) e tanto pode dizer uma coisa como o seu contrário. Cultiva essa imagem com advogados e até mesmo uma agência de relações públicas. Banksy solta seus grafites na rua e num deles, deixado no Bronx, a vizinhança pobre está cobrando US$ 20 para quem quiser tirar fotos. Chamá-lo de grafiteiro é uma imprecisão, pois o que deixa nos muros são imagens feitas com moldes e sprays. Há nele poesia, delicadeza e um humor militante que ecoam Warhol. Copia-lhe alguns truques, mas falta-lhe a faísca. Suas raízes estão no francês Blek Le Rat, um tipo oposto no comportamento. É um parisense convencional que fez um poderoso David de metralhadora em defesa de Israel, enquanto Banksy fez do mesmo David um homem-bomba.
Banksy é acima de tudo uma boa discussão. Gênio? Espertalhão? O lance do Central Park ajuda a vender suas obras nas galerias por centenas de milhares de dólares, mas também desmistifica o fetiche dos originais. Uma reprodução de um desenho de Banksy não tem por que valer US$ 30 mil, a menos que a pessoa queira pagar pelo autógrafo. (Por US$ 9.750 compra-se um bilhete assinado de Matisse e por US$ 9.500 leva-se uma carta manuscrita de Winston Churchill.) Como Banksy já grafitou: "Eu não entendo por que idiotas compram essas merdas". (Dois deles: Brad Pitt, Angelina Jolie.) As três esculturas mais contempladas do mundo (o David de Michelangelo e as portas do Batistério de Florença, bem como os cavalos da Basílica de São Marcos, de Veneza) são cópias. Os originais estão por perto, em locais que deturpam o ambiente em que devem ser vistos.
Mesmo tendo parado de correr da polícia há tempo, Banksy, como todos os grafiteiros, tem uma aura de marginal. Ele não é um verdadeiro vândalo, dizem seus críticos. Banksy é hoje o mais conhecido artista plástico inglês. Ocupa o lugar deixado por Francis Bacon, morto em 1992. Nem de longe tem sua genialidade, muito menos sua essência verdadeiramente marginal. Prostituto na juventude e gay da pesada (vestia couros por cima e lingerie por baixo), quando lhe deram um atelier em área chique, fugiu. (Essas informações estão numa ótima biografia, que horrorizaria Roberto Carlos.) Banksy é o símbolo de uma grande arte, que há décadas é deixada nas ruas. Por elas passou Jean-Michel Basquiat, que tinha a faísca.
De graça, estão na rede 18 trabalhos que o grafiteiro espalhou por Nova York desde o dia 1º, alguns deles com vídeo e áudio. Para um bom domingo, basta ir a eles em banksy.co.uk.
Folha de S.Paulo, 20/10/2013

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