22 de outubro de 2013

VLADIMIR SAFATLE Violência e silêncio


Passeatas de professores que acabam em depredações e batalhas campais, invasões de institutos que fazem pesquisas com animais, manifestantes que ateiam fogo no Palácio Itamaraty. Ao perguntarmos sobre o que pode significar a constância, cada vez maior na política brasileira, de fenômenos violentos como esses, duas grandes explicações são fornecidas.
A mais clássica gostaria de nos levar a acreditar que estaríamos diante de simples atos de vandalismo, normalmente feitos por jovens pro- todelinquentes inebriados por seus delírios narcísicos de onipotência e infiltrados em meio a manifestantes de boa vontade.
A segunda é o mero resultado da inversão de sinais, fornecendo-nos uma visão romanceada daqueles que responderiam à violência poli- cial com uma violência legítima. Melhor seria se procurássemos analisar tal violência como um profundo sintoma social da vida política nacional contemporânea.
O psicanalista Jacques Lacan gostava de lembrar como aquilo que é expulso do universo simbólico sempre retorna no real. Quando não é possível simbolizar uma experiência ou um desejo, ele retorna como uma reação bruta, que acaba por expressar como o próprio universo simbólico se encontra bloqueado.
Já há algum tempo, a política brasileira tem expulsado muita coisa de seu interior. Tendendo, cada vez mais, a se limitar a discussões gerenciais sobre modelos relativamente consensuais de gestão socioeconômica (vide o debate recente sobre o dito "tripé econômico", do qual ninguém parece discordar), ela perde a possibilidade de mobilizar populações por meio de alternativas não testadas e que ainda contenham um forte potencial criativo. Assim, ela perde também a capacidade de acolher demandas que, mesmo sendo urgentes, sempre colidem com boas justificativas tecnicistas para serem deixadas para mais tarde.
A política brasileira tem se transformado, com isso, na arte do silêncio. Arte de passar em silêncio sobre democracia direta, como pagar dignamente professores, como implementar uma consciência ecológica radical, como quebrar a oligopolização da economia, como taxar mais os ricos e dar mais serviços aos pobres. Mas também a arte de tentar silenciar descontentes.
Nesse contexto de mutismo, a violência aparece como a primeira revolta contra a impotência política. A história está cheia de exemplos nos quais as populações preferem a violência genérica à impotência. Ainda mais quando se confrontam com uma brutalidade policial como a nossa. Como todo sintoma, há algo que essa violência nos diz. A resposta a ela não será policial, mas política.
Folha de S.Paulo, 22/10/2013

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