26 de outubro de 2013

Espionagem em massa (Snowden)

EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br, Folha de S.Paulo, 26/10/2013
É conhecida a sentença de François de La Rochefoucauld (1613-1680) segundo a qual "a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude". A ideia pode se aplicar ao "affair" criado em torno das atividades de espionagem dos Estados Unidos --reveladas por Edward Snowden, ex-funcionário dos serviços secretos de seu país ora exilado na Rússia.
Documentos estrategicamente vazados com vistas a criar constrangimentos e provocar a irritação internacional mostram que a bisbilhotice da Agência Nacional de Segurança não tem fronteiras.
Tudo pode ser monitorado, de e-mails de cidadãos a ligações de celulares de chefes de governo --pelo menos 35 líderes mundiais, como noticiou o jornal britânico "The Guardian", teriam sido alvo de violações, entre os quais a presidente Dilma Rousseff e a chanceler alemã Angela Merkel.
Seria preciso uma boa dose de ingenuidade para imaginar que nada disso existisse. A espionagem entre nações é uma prática milenar, largamente documentada.
Mesmo segredos de polichinelo, no entanto, são capazes de causar estragos quando levados à luz do dia. Os efeitos dos vazamentos são multiplicados pela imagem de arrogância imperial que, não sem motivo, acompanha a maior potência do mundo contemporâneo.
Diante do escândalo, não seria concebível que líderes de nações soberanas assumissem simplesmente uma atitude de resignação. Alguma resposta, simbólica ou inócua que seja, precisa ser dada.
É o que se tem observado, tanto nas reprimendas retóricas dirigidas ao governo norte-americano quanto nas gestões da União Europeia (às quais se junta o governo brasileiro) para impor limites internacionais e obter de Washington verdadeiras mudanças nas práticas de inteligência.
No papel de vilão, Barack Obama comporta-se como quem sabe que os outros fazem ou fariam igual se tivessem condições. Além do mais, sua prioridade é mostrar ao público doméstico que defende os interesses nacionais, com destaque para o combate ao terrorismo.
Os documentos de Snowden até aqui conseguiram reforçar certo antiamericanismo difuso, criar empecilhos diplomáticos e atrapalhar negociações --mas dificilmente irão muito além disso.

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