9 de outubro de 2013

Autor abre Frankfurt com fala sobre genocídio

Mineiro Luiz Ruffato foi aplaudido ao criticar morte de índios, impunidade e analfabetismo
CASSIANO ELEK MACHADORAQUEL COZERENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURT, Folha de S.Paulo,9ç10ç2013

Genocídio, estupro, intolerância, impunidade e analfabetismo foram alguns do termos usados para definir o Brasil pelo escritor Luiz Ruffato, em um forte discurso que marcou a abertura oficial da participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt, na tarde de ontem.
O autor mineiro falou na principal sala do evento alemão, diante de mais de 2.000 pessoas, em cerimônia que teve, entre outros, discursos do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, e do vice-presidente do Brasil, Michel Temer.
Ao longo de dez minutos, o autor de "Eles eram Muitos Cavalos" e "Domingos Sem Deus" repassou a sua visão da história do país: do descobrimento, sob a égide do genocídio indígena, aos tempos atuais, marcados por impunidade, falta de respeito ao meio-ambiente e população carcerária de 550 mil pessoas.
Ao final, comentou avanços sociais recentes e sublinhou o poder transformador da literatura, usando como exemplo sua trajetória: "Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto tive o meu destino modificado pelo contato, ainda que fortuito, com os livros".
Ruffato foi ovacionado, com aplausos de mais de um minuto. Diversos brasileiros, como o diretor do Sesc-SP, Danilo Santos Miranda, e escritores como o poeta Age de Carvalho e o romancista Paulo Lins aplaudiram de pé.
O discurso continuou reverberando depois do encerramento da cerimônia. O diretor da feira, Juergen Boos, disse a pessoas próximas que há anos não via uma fala de abertura tão contundente.
Uma das poucas vozes críticas ao discurso foi do cartunista e escritor Ziraldo, que deixou o evento esbravejando "Ruffato não me representa". Para ele, a feira não era o foro para este tipo de discussão.
Igualmente polêmica, mas em sentido oposto, foi o discurso de Michel Temer, que representou a presidente Dilma Rousseff no evento.
Além de ter cometido equívocos, como o de ter saudado Marta Suplicy como ministra da Educação (é da Cultura), ele exaltou sua própria atuação como constituinte, divagou sobre a infância ("as leituras aguçaram meu raciocínio") e terminou por comentar sua própria produção poética. Concluiu a fala sob vaias.
Dos discursos alemães, o mais comentado foi o do ministro Guido Westerwelle. Ele disse que assinaria embaixo do discurso de Dilma sobre internet (em alusão às críticas à espionagem sofrida pelo país) e defendeu um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU para o Brasil.

Racismo, Paulo Coelho e educação esquentam debate em Frankfurt
Ontem no evento, Brasil apresentou seu pavilhão oficial todo feito de papelão em homenagem ao livro impresso
Desistência de Paulo Coelho por falta de 'escritores profissionais' na delegação rendeu piadas entre selecionados
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURTO slogan "Um país cheio de vozes", com o qual o Brasil participa de hoje a domingo como convidado de honra da Feira de Frankfurt, não poderia ser mais adequado. Antes do início do maior evento editorial do mundo, debates sobre o país têm dado o que falar na Alemanha.
Em entrevista a jornal alemão, o escritor Paulo Lins comentou a polêmica sobre um possível racismo na seleção dos autores levados ao evento pelo governo brasileiro. "Sou o único negro da lista. Como não seria racismo?", disse.
A desistência de Paulo Coelho de participar do evento pela falta de "escritores profissionais" na delegação brasileira rendeu piadas entre outros selecionados, que tentavam decifrar o que seria um escritor profissional. Em debate, o escritor Sérgio Sant'Anna brincou que Coelho ficaria deslocado entre os colegas se fosse a Frankfurt.
E chegou à imprensa alemã a informação de que autores se manifestariam ontem, na cerimônia de abertura, contra a situação da educação no Brasil. Em entrevista coletiva, uma jornalista questionou Renato Lessa, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, a respeito.
Em meio a tantas vozes, o Ministério da Cultura surpreendeu ao apresentar seu pavilhão oficial, de 2.500 m², todo em papelão.
"O livro é cada vez menos de papel, mas ele faz parte de uma história de 500 anos", diz Daniela Thomas, que assina a cenografia com Felipe Tassara.
O espaço concentrará a maior parte dos eventos do Brasil, que investiu R$ 18,5 milhões na feira, sendo R$ 10,5 milhões no pavilhão e na programação cultural. Inclui uma grande mesa que emula a marquise do parque do Ibirapuera, em São Paulo, redes para os visitantes e uma área com totens mostrando personagens como Capitu e o analista de Bagé.
Em uma parede, há um imenso Menino Maluquinho, personagem de Ziraldo, pai de Daniela Thomas. Uma estante com livros de brasileiros traduzidos para o exterior inclui uma dezena de obras do desistente Paulo Coelho.

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