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editoriais@uol.com.br, Folha de S.Paulo, 9/10/2013
Ao tomar conhecimento de que ganhara metade do Prêmio Nobel em Física deste ano, o britânico Peter Higgs saiu em defesa do conhecimento puro: "Espero que esse reconhecimento da ciência fundamental ajude a chamar a atenção para o valor da pesquisa básica".
Higgs, cujo nome batiza a última partícula fundamental da matéria prevista no Modelo Padrão a ser detectada, em julho de 2012, empregou na realidade a expressão inglesa "blue-sky research" (pesquisa de céu azul). Vale dizer, a investigação científica que volta os olhos para o que não tem aplicação imediata --como o azul do céu.
O chamado bóson de Higgs atravessou quase meio século como simples construção teórica. Higgs e o belga François Englert foram os primeiros a descrever essa partícula que confere massa à matéria, em 1964, mas só 48 anos depois ela teve sua existência confirmada pela Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear).
O mundo palpável não se alterou com essa descoberta, seja em 1964, seja em 2012. Só a compreensão humana da composição da matéria se enriqueceu, nada mais.
Embora a corroboração do Modelo Padrão contribua para o entendimento e a experimentação em toda sorte de domínio físico, o bóson de Higgs fica muito distante de outras descobertas agraciadas com o Nobel. Por exemplo, a da magnetorresistência gigante, crucial para o funcionamento de discos rígidos de computadores.
Em grau um pouco menor, o Nobel em Fisiologia ou Medicina deste ano, conferido a James Rothman, Randy Schekman e Thomas Südhof, reitera a valorização da ciência movida mais pela curiosidade do que por aplicações. O trio desvendou mecanismos fundamentais de transporte de substâncias dentro de células e para fora delas, no interior de vesículas.
Esse sistema celular está presente em todo o mundo vivo. Por certo sua explicação contribui para um conhecimento mais profundo de doenças, como diabetes, e fornece pistas para o desenvolvimento de novos fármacos. Mesmo que assim não fosse, só um excesso patológico de pragmatismo impediria alguém de reconhecer o valor puramente cognitivo de elucidar componente tão básico da vida.
A pesquisa dirigida por objetivos tecnológicos é importante e necessária, mas nunca é demais lembrar que a ciência humana não teria chegado aonde chegou sem que alguém levantasse os olhos para o céu e se perguntasse por que raios ele é azul.
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