SÃO PAULO - Como os físicos ainda não deram um jeito de fazer dois corpos ocuparem o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, o texto que escrevi sobre liberdade de expressão para o caderno "Eleições" de quarta passada deixou de fora um aspecto importante que vale a pena retomar. É o vínculo entre liberdade de expressão e ciência.
Como qualquer outro empreendimento coletivo, a ciência só se materializa se houver comunicação entre as pessoas que dela se ocupam. Mas, mais do que a maioria dos empreendimentos coletivos, a ciência depende da crítica para avançar. O momento chave da descoberta científica, como apontava Popper, é o erro. Um experimento que refuta uma teoria é muito mais informativo e, assim, decisivo, do que um que a corrobora.
Nesse contexto, é importante não só que cientistas possam criticar colegas e superiores como também que tenham liberdade para desafiar os cânones estabelecidos. Até podemos conceber que a ciência seja produzida num cenário de censura a ideias, mas ela provavelmente caminharia de modo hesitante, preocupada em não desagradar aos poderosos.
Um bom exemplo disso é a biologia soviética. A URSS amargou décadas de atraso nesse campo pela simples razão de que ele foi profundamente influenciado pelo agrônomo Trofim Lysenko, o qual, mais por razões ideológicas que científicas, militava contra a genética mendeliana, já que nela não via muito espaço para as ideias socialistas de igualdade.
É claro que nem toda ditadura precisa ser tão ideológica quanto a Rússia stalinista. A China está aí para provar que mesmo regimes autoritários podem ser pragmáticos. Resta saber se isso é o bastante. Um grupo crescente de economistas aposta que, para um país prosperar de forma sustentável, é preciso que haja um fluxo constante de inovações e ganhos de produtividade que, em última instância, dependeria da liberdade política dos cidadãos.
Folha de S.Paulo, 8/10/2014
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