27 de outubro de 2014

Comissão da USP lista 664 perseguidos pela ditadura

    Grupo mapeia uspianos alvos da repressão e diz que cientistas foram vigiados

    Para José Goldemberg, diretor do Instituto de Física nos anos 70 e reitor nos anos 80, material 'surpreende'
    THAIS BILENKYDE SÃO PAULOUm levantamento da Comissão da Verdade da USP (Universidade de São Paulo) já identificou 664 professores, alunos e funcionários que foram de alguma forma perseguidos durante a ditadura militar (1964-1985).
    O trabalho do grupo, criado em maio de 2013 para mapear violações praticadas contra uspianos no período, também encontrou informações de como os centros de pesquisas estratégicas de ciência e tecnologia foram alvo de controle sistemático.
    Segundo Laerte Apolinario, pesquisador da comissão, na relação de perseguidos há pessoas que morreram, desapareceram, foram torturadas, presas, afastadas e fichadas. A lista ainda é conservadora porque há casos em avaliação. O relatório deve ser concluído em julho de 2015.
    Além dos 664 nomes, a comissão ainda estuda outros casos de pesquisadores que não chegaram a sofrer ação direta, mas foram monitorados de perto pelo regime.
    Entre eles estão intelectuais que nunca foram associados a movimentos políticos de esquerda --tendência combatida pelos militares.
    Os físicos Oscar Sala (1922-2010) e José Goldemberg, por exemplo, tiveram suas atividades de rotina controladas --como ausências, licenças médicas e consultorias.
    Mas sobretudo suas pesquisas foram vigiadas e comentadas por integrantes dos serviços de inteligência, segundo documentos do SNI (Serviço Nacional de Informações) em análise na comissão.
    ATOR E ESCRITOR
    Na relação de 664 nomes figuram alunos da época como o ator Edson Celulari.
    Ele era estudante de teatro na Escola de Comunicações e Artes, foi fichado e fotografado pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
    O mesmo ocorreu com o escritor Milton Hatoum, que estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Colunistas da Folha, o economista Eduardo Giannetti e o geógrafo Demétrio Magnoli foram igualmente fichados pelo órgão de repressão.
    Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, estudava direito. Ele foi investigado por uma comissão criada em 1964, ano do golpe militar, e virou alvo de inquérito. Absolvido, colou grau e advogou para presos políticos, registra a Comissão da Verdade da USP.
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, professor de ciências políticas, depois do exílio em 1964, foi aposentado compulsoriamente em 1969, assim como o sociólogo Florestan Fernandes.
    Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, os professores e renomados profissionais Paulo Mendes da Rocha e João Batista Vilanova Artigas foram cassados. Na de Medicina, Luiz Hildebrando foi afastado e torturado.
    Para o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o controle sobre a universidade trouxe prejuízos "graves" ao afastar líderes de pesquisas. Do ponto de vista ideológico, os critérios eram vagos: "Como tinha muita gente de esquerda, eles acabavam vigiando todo mundo", diz Patto.
    'SURPRESA'
    Para a professora Janice Theodoro, integrante da comissão, o regime militar monitorava centros de pesquisas de ciência e tecnologia porque diziam respeito a temas como a política nuclear.
    A possibilidade de o Brasil fabricar uma bomba atômica, aventada em 1974 pelo então presidente Ernesto Geisel, se refletiria no controle das atividades universitárias.
    Ficha de 1976 do SNI relata que o Instituto de Energia Atômica vinha "sofrendo pressões por parte de elementos da USP, em particular do Instituto de Física, com respaldo do MDB [partido de oposição à ditadura]".
    O SNI registra que o regulamento então aprovado pelo instituto poderia "vir a comprometer as atividades do órgão, pela qualificação e vinculação dos componentes".
    Naquele período, José Goldemberg dirigia o Instituto de Física e era contrário à fabricação de bomba nuclear.
    "Não éramos vozes isoladas, representávamos um grupo maior de cientistas", diz o professor, que se tornaria reitor da USP entre 1986 e 1990. Goldemberg disse nunca ter percebido a vigilância nem ter sido convocado a depor. "É uma surpresa."
    A espionagem na USP era feita por meio da Assessoria Especial de Segurança e Informação, vinculada ao gabinete do reitor e articulada com órgão similar do Ministério da Educação e Cultura.
    Folha de SP, 27/10/2014

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