Artigo publicado pelo site Ponte fala sobre o “mito do adolescente violento” e analisa detalhes da divulgação de fotos dos corpos de quatro jovens mortos perto de uma favela de São Paulo. “As crianças e adolescentes são vítimas da violência brasileira. De forma bizarra, nas políticas públicas, vêm sendo apontados como predadores a serem trancados e abatidos”, diz o autor do texto, Bruno Paes Manso
24 DE OUTUBRO DE 2014 ÀS 12:23
Favela 247 – A divulgação das fotos dos corpos de quatro jovens – três deles com menos de 18 anos –, nos arredores da favela São Remo, em São Paulo, ocorrida há quase dois meses, foi utilizada como base paraartigo publicado pelo site Ponte. As mortes aconteceram durante perseguição de cinco policiais militares ao carro roubado ocupado pelas vítimas. Analisando a exposição dos jovens à violência e as execuções praticadas contra adolescentes brasileiros, o texto fala sobre o “mito do adolescente violento”, que transforma o jovem, negro e morador de periferia em uma espécie de bode expiatório da sociedade. “Poucos estigmas no mundo são tão mortais”, afirma o autor, Bruno Paes Manso. “As fotos divulgadas nas redes sociais foram tiradas instantes depois da ocorrência. Os jovens ainda estavam dentro do carro, baleados. Naquele momento, afinal, quem mais teria acesso ao local do crime além dos policiais militares, que guardavam a cena para a chegada do socorro?”, questiona. A família das vítimas recebeu as imagens pelo aplicativo Whatsapp. “As crianças e adolescentes são vítimas da violência brasileira. De forma bizarra, nas políticas públicas, vêm sendo apontados como predadores a serem trancados e abatidos”.
Por Bruno Paes Manso, para a Ponte
Pelo fim da pena de morte aos adolescentes. O caso São Remo
O “mito do adolescente violento” transforma o jovem, negro e morador de periferia em uma espécie de bode expiatório da sociedade. Poucos estigmas no mundo são tão mortais
Os bons policiais da Rota deveriam se enojar de seus supostos admiradores. Afinal, só me resta crer que a maioria da corporação militar repudia as indecências que saem publicadas no blog Admiradores da Rota + 18. Há algo de doentio numa página em que os editores alertam a seu público, como zelosos samaritanos, que as fotos de corpos e tiros sejam vistas apenas por maiores de 18 anos. Detalhe perverso: muitos dos executados e mortos são adolescentes de São Paulo.
Eu preferia não ter que dar espaço a esse tipo de publicação, que faz apologia ao crime. Mas um caso estarrecedor ocorreu no dia 6 de setembro deste ano, nos arredores da Favela São Remo, ao lado da USP. A Defensoria Pública assumiu a ocorrência para que não caia no esquecimento e na impunidade. É necessário publicá-la. Naquela noite, 4 pessoas morreram. Três delas tinham menos de 18 anos. Os adolescentes Luan e Paulo estavam no banco dianteiro.
No boletim de ocorrência, os 5 policiais que participaram da perseguição disseram que os 4 garotos dispararam contra eles. Os jovens estavam em um Corsa preto roubado. Seria mais um caso mal investigado de suposta resistência seguida de morte, se não fossem os desdobramentos do episódio.
Logo depois da chacina, as fotos dos corpos dos adolescentes foram enviadas por WhatsApp para parentes e amigos deles. Irmãos e mães das vítimas mortas souberam do massacre pelas redes sociais, testemunhando as imagens de seus corpos. As fotos também foram publicadas no blog Admiradores da Rota, página com mais de 150 mil visualizações, seguidas de um texto cruel: “Força Tática do 16º BPM em acompanhamento de um veículo produto de roubo troca tiro com três marginais que o ocupavam. O resultado está na foto. Os três vermes agora a pouco deitaram no mármore gelado do IML. Vagabundos perigosos. Parabéns aos policiais envolvidos na ocorrência”.
Se a corrida presidencial trouxe para a ordem do dia o debate sobre a redução da maioridade penal, pouco se tem falado sobre a exposição dos jovens à violência e sobre as execuções praticadas contra adolescentes em São Paulo e no Brasil. O “mito do adolescente violento” transforma o jovem, negro e morador de periferia em uma espécie de bode expiatório da sociedade. Poucos estigmas no mundo são tão mortais.
A Defensoria Pública assumiu o caso. Familiares contaram que policiais continuam rondando a vizinhança fazendo ameaças aos moradores. “Quatro já morreram e vão morrer muitos mais”, eles dizem.
As fotos enviadas no WhatsApp causaram indignação entre os familiares das vítimas, que duvidaram da versão dos policiais. Um dos mortos, por exemplo, recebeu um “colar de tiros” sob o pescoço e teve os dentes quebrados. “Como os garotos ficariam feridos desse jeito em uma troca de tiros?”, questionou aos defensores um dos familiares. Nenhum policial envolvido na suposta perseguição ficou ferido.
Além disso, as fotos divulgadas nas redes sociais foram tiradas instantes depois da ocorrência. Os jovens ainda estavam dentro do carro, baleados. Naquele momento, afinal, quem mais teria acesso ao local do crime além dos policiais militares, que guardavam a cena para a chegada do socorro? Não estou acusando sem provas. Mas não sou hipócrita nem idiota. Os policiais também tiveram acesso aos celulares das vítimas. Se houvesse interesse das autoridades em resolver o caso, por que policiais estariam se sentindo à vontade para ameaçar a população local? O que esperar de uma instituição que tolera esse tipo de comportamento?
O comando geral da PM vem prometendo coibir e punir policiais envolvidos com a divulgação de violência nas ocorrências. A quantidade de fotos e vídeos nos blogs policiais mostram que a ameaça não é levada a sério. Nenhum policial responsável por essas indecências que destroem a credibilidade da corporação foi punido.
A violência contra os jovens é um sério problema no Brasil. Conforme mostra o Mapa da Violência, o país fica em quarto lugar entre os mais violentos contra crianças e adolescentes (de 0 a 19 an0s). Entre 1981 e 2010, morreram assassinados 176 mil crianças e adolescentes. A taxa de jovens de 17 anos assassinados em 2010, foi de 52 por 100 mil habitantes, mais do que o dobro da média nacional.
As crianças e adolescentes são vítimas da violência brasileira. De forma bizarra, nas políticas públicas, vêm sendo apontados como predadores a serem trancados e abatidos.
Segundo nota da Secretaria de Segurança Pública, o caso envolvendo os quatro jovens está sendo investigado pela Polícia Civil e também por um inquérito policial militar (IPM). Em relação ao blog, conforme o comunicado, não cabe à Polícia Militar ou ao seu Comandante Geral proibi-lo.
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