RIO - Vista de longe, a Amazônia carrega a fama de uma imensidão verde impenetrável e resistente ao passar dos séculos. Sob a lupa, o diagnóstico é outro. Um projeto composto há três anos por 14 instituições europeias e sul-americanas encerra esta semana o panorama de um dos biomas mais importantes do mundo. Agora, o Amazalert, como foi batizado o programa, tenta prever como será o Norte do país em 2050. Se as políticas atuais forem mantidas, o cenário será caótico. Se houver controle na exploração dos recursos naturais, o futuro terá a marca da sustentabilidade.
Hoje, no entanto, a violência e o crescimento desordenado de cidades nas bordas do bioma ameaçam sua integridade. Entre as 50 cidades do país com maior índice de homicídios por 100 mil habitantes, 12 estão no Arco do Desmatamento, uma faixa que margeia a floresta do Acre ao Maranhão, partilhada por extrativistas, mineradores, grileiros e uma profusão de atividades econômicas insustentáveis. Segundo o relatório do Amazalert, a violência rural e urbana já apresenta “níveis de guerra civil”.
Na fronteira agrícola pululam cidades de populações cada vez mais inchadas. Metade dos 50 municípios brasileiros que mais cresceu entre 2000 e 2010 estão na região.
— A Amazônia já é rodeada por grandes cidades, onde a área urbana é maior do que a rural — ressalta Andrea Coelho, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp) e colaboradora do Amazalert. — Grandes empreendimentos minerais, asfaltamento de estradas e construção de hidrelétricas atraem muita gente, bem mais do que é possível administrar. Boa parte da população tem uma condição de vida miserável, o que contribui para o aumento dos índices de criminalidade.
Sede da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cinco municípios da Região do Xingu, no Pará, servem como exemplo. Em 2007, eles registraram quatro casos de tráfico de drogas. No ano passado, foram 238.
FALTA DE ESTRUTURAS
Segundo os autores do relatório, o desenvolvimento da Amazônia tropeça no mau uso da terra e na falta de alternativas econômicas.
— Para ser sustentável, a cadeia produtiva de uma região tem que ser diversificada. Não podemos depender apenas da pecuária ou de uma commodity — explica Jean Ometto, diretor do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST-Inpe) e colaborador do projeto. — Precisamos explorar outras oportunidades econômicas. E aquelas que existem precisam de maior planejamento. Por exemplo, se uma obra viária não for pensada desde o início, ela aumentará a devastação do bioma.
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais, o antropólogo Roberto Araújo conta que até regiões destinadas à reforma agrária são exploradas ilegalmente.
Araújo destaca que a criação de empregos não é suficiente, caso ela seja baseada em uma economia predatória e sem resolver “os problemas estruturais”.
— Fui no mês passado em um assentamento extrativista onde as pessoas deveriam produzir de forma sustentável, mas elas optaram por fabricar carvão, que polui a atmosfera, e abrir as portas para as madeireiras — lamenta o antropólogo, que também participou do Amazalert. — Em 1997, 80% daquela área tinha cobertura vegetal. Hoje, sobraram menos de 20%.
De acordo com o relatório, “a Amazônia aparentemente é resistente ao perecimento causado pelas mudanças climáticas desse século, se o desmatamento for mantido baixo”. Por isso, é necessário monitorar frequentemente os efeitos do CO2 sobre a floresta.
— Podemos e gostaríamos de enfatizar a projeção para um cenário mais otimista — ressalta Bart Kruijt, coordenador do Amazalert e pesquisador da Universidade de Wageningen, na Holanda. — A condição é que o desmatamento não aumente mais, e que sejam mantidas as unidades de conservação. Só que as incertezas são grandes. As chuvas devem aumentar em algumas regiões e diminuir em outras.
Os eventos climáticos extremos já batem à porta do bioma. Em 2010, uma seca recorde atingiu 3 milhões de quilômetros quadrados, uma área maior do que a Argentina. Mais de 80% das projeções denunciam a diminuição das chuvas no Sudeste do bioma e períodos de estiagem cada vez mais longos.
ALERTA PRECOCE
Para avaliar as perspectivas da Amazônia, a equipe de Kruijt reuniu diversos modelos de estudo da atmosfera e da superfície e os combinaram com cenários que apontassem mudanças do uso da terra e impactos na vegetação e na água. Desta forma, seria possível criar um sistema de alerta precoce de degradação da Amazônia.
As demandas apontadas por este sistema de alerta precoce só poderiam ser atendidas com a ajuda do poder público. Até agora, as instituições governamentais participaram timidamente dos grupos de trabalho do Amazalert. O próprio grupo avalia que a Região Norte ainda tem “pouco peso” para a discussão de políticas. No entanto, os autores do relatório estão otimistas sobre o potencial de seu trabalho e da floresta.
— O alerta precoce inclui, ao mesmo tempo, vários planos de ação — explica Mateus Batistella, chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite. — É possível ver se o interior da Amazônia está emitindo ou absorvendo CO2 e como a terra está sendo usada, inclusive pelo pequeno proprietário. A Amazônia ainda não tem as estruturas necessárias, mas a renda média da população está crescendo. Até 2050, será possível atingir uma situação melhor do que a atual.
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