28 de outubro de 2014

Vigilância de membros da USP continuou após ditadura


Comissão da Verdade da universidade apurou que pesquisas em áreas de interesse militar foram monitoradas até 1990, no governo Sarney
THAIS BILENKYDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 28-10-2014
Da mesma forma que fez com os principais agentes políticos do país, o Serviço Nacional de Informações continuou espionando membros da USP depois do fim da ditadura militar (1964-1985).
Documentos em análise pela Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo mostram que pesquisas em áreas caras aos militares foram monitoradas até 1990, durante o governo do hoje senador José Sarney (PMDB).
É o caso do programa nuclear militar. O regime monitorou o Instituto de Energia Atômica da USP durante a ditadura para controlar pesquisas de ponta que poderiam se contrapor a seu projeto de fabricação de bomba atômica.
Em 88, movimentações contrárias ao programa continuavam como foco de atenção do SNI. Uma ficha do órgão relata que integrantes do Movimento Antinuclear Brasileiro discutiram em reunião dias antes o que consideravam ser o "perigo do reator nuclear" e o "sigilo do programa e risco de roubo e extravio de material nuclear".
O pesquisador José Goldemberg foi monitorado enquanto dirigiu o Instituto de Física da USP, nos anos 1970, e continuou alvo quando se tornou reitor (1986-1990).
"Impressionado com o paraíso soviético", Goldemberg teria voltado de Moscou em 1988 como "porta-voz e apologista das ideias que a União Soviética, na pessoa de MKG [Mikhail Gorbatchov, o último líder da URSS], procura difundir", afirma ficha do SNI.
O hoje ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante foi fichado pelo SNI durante e depois de encerrada a ditadura. Em 1973, estava, por exemplo, na lista de presentes em um encontro nacional de estudantes de economia.
Em 1989, novo documento repara que Mercadante "não costuma usar o último sobrenome, Oliva". Segundo a professora Janice Theodoro, membro da comissão, o SNI sugeria, com isso, que Mercadante procurava não se associar ao tio, Waldyr Muniz Oliva Filho, que fora reitor da USP entre 1978 e 1982.
"Na época, se dizia que o reitor era cada vez mais Oliva, mais verde, mais Exército", justifica Janice.
O órgão de espionagem criado depois do golpe militar passou também a mirar unidades de pesquisa nas áreas de humanidades relacionadas à redemocratização então em curso no país.
O Centro de Estudos da Violência da USP é descrito como patrocinador de "tópicos de pesquisa cujo principal interesse é o relacionamento entre democratização na sociedade brasileira e a violência como instituição".
O então reitor Goldemberg é citado como seu apoiador. Janice diz que a análise do material está no início e que é cedo para tirar conclusões.

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