Jovens dizem que celular faz falta no início, mas descobrem jogos depois
Pais se 'desesperam' e chamam filhos pelo alto-falante, mas as crianças se dizem 'muito ocupadas'
Antes de dormir é a hora mais crítica. Eles não conseguem decidir se olham para o teto, se brincam de telefone sem fio, se cantam as músicas da temporada ou se simplesmente fecham os olhos e, exaustos, caem no sono.
De manhã, também é esquisito. Ninguém usa relógio, ninguém sabe que horas são.
Ao sair do quarto, quantos não põem a mão no bolso e procuram o telefone celular até se lembrarem de que lá, no acampamento, o aparelho e qualquer objeto que os conecte à internet são vetados?
Colônias de férias de São Paulo adotaram a regra para evitar que os jovens passassem os dias desconectados uns dos outros e conectados a suas redes sociais e joguinhos eletrônicos. E os pais pagam caro pela "reabilitação".
O Sítio do Carroção, em Tatuí (SP), por exemplo, cobra R$ 3.800 por uma semana de férias. No Paiol Grande, em São Bento do Sapucaí (SP), oito dias custam R$ 2.400.
No Nosso Recanto, conhecido pelas iniciais NR, em Sapucaí Mirim (MG), 14 dias de férias saem por R$ 4.100.
"Se pelo menos a gente pudesse fazer uma 'selfie' no banheiro. Pode até ter bloqueio de internet", diz Luara, 13, em férias no Carroção.
A estudante se considera "viciada" no celular, mas vê benefícios em se desconectar. "Se acordo às 7h, fico até as 11h no tablet. Aqui eu faço tanta coisa nesse horário!"
Assim que chegou ao acampamento, Luara conheceu Giovanna, 12, de São Paulo, e as duas não se desgrudaram. Mas poderia ter sido diferente. "Eu teria me isolado", palpita Giovanna sobre se pudesse ter levado seu novo iPhone 6 ao Carroção.
Os adultos batalham para preservar o espírito de aventura. Um monitor perguntou como achar a direção norte. Ouviu recomendações heterodoxas. "A gente coloca no Waze. Vire à direita!", brincou um menino imitando o aplicativo que dá dicas de caminhos. "Liga o GPS!", gritou outro.
O fato é que dois ou três dias de acampamento são suficientes para dar início à "desintoxicação". E brincadeiras tradicionais como pular elástico, jogar taco e correr na lama ganham ares de novidade.
"A gente joga cartas, dança com bambolê, coisas que a geração tecnológica não faz ideia que existem", conta Marcelo, 15, no NR.
Há exceções, crianças que pedem para ir embora. Mas, segundo responsáveis pelos acampamentos, quem mais sofre são os pais. Não são raros os que ligam "desesperados" e pedem, para a vergonha dos filhos, para chamá-los pelo temido alto-falante.
Para tentar ajudar, o NR imprime e-mails dos pais e entrega às crianças. As correspondências muitas vezes giram em torno da trama da novela ou do cachorro do acampante. As crianças costumam alegar estarem "muito ocupadas" para responder.
Bianca, 13, tem de consolar a mãe, Ana Claudia Dractu, 45, quando está no NR. "Ela me fala: vai curtir, porque eu estou ótima!", conta a mãe. Ana Claudia escreve todos os dias. "Me dá um prazer tão grande ficar naquela expectativa pela resposta."
Nenhum comentário:
Postar um comentário