PRISCILA CRUZ - O ESTADO DE S.PAULO
07 Janeiro 2015 | 02h 04
Será que vamos ler as notícias sobre o mau desempenho dos nossos jovens no ensino médio até ficarmos insensíveis? Ou será que, de certa forma, já perdemos o senso de urgência? Infelizmente, ao observar as mudanças que foram introduzidas e, pior, o que não mudou nas últimas décadas e anos, parece que a educação tem relevância em apenas períodos eleitorais e no resto do tempo a ordem é melhorar no limite de se evitarem políticas impopulares.
Não é de hoje que o ensino médio preocupa. De todas as etapas da educação básica, é o que apresenta os piores resultados: somente metade dos jovens consegue terminá-lo até os 19 anos e dos alunos que chegam a concluí-lo apenas 9% aprendem o que seria o adequado em Matemática.
Para garantir qualidade, excelência e equidade temos alguns desafios simultâneos. Não podemos mais permitir que os jovens concluam o ensino médio sem o domínio básico da Matemática, da língua portuguesa e de ciências, ao mesmo tempo que é preciso dar mais sentido à aprendizagem, engajando os alunos num modelo que esteja conectado ao século 21. Precisamos também definir e implementar um currículo nacional - a Base Nacional Comum - de forma a dar mais clareza, foco e equidade à aprendizagem nas escolas de todo o País, além de, simultaneamente, diversificar o ensino médio, para dar aos alunos a possibilidade de se aprofundarem em áreas de maior interesse, vocação ou escolha profissional, bem como de exercitarem seus talentos numa oferta mais ampla de cursos que desenvolvam habilidades e consolidem conhecimentos úteis para a sua vida.
Além dessas mudanças e políticas, muitas outras são necessárias para tirar essa que é a etapa final da educação básica da crise atual. Ficamos tanto tempo empurrando os problemas com a barriga que agora a solução é muito mais complexa, extensa e, consequentemente, muito mais difícil. Qualquer melhoria tem efeito muito pequeno nos resultados finais, pois o tamanho desse poço anacrônico é gigantesco.
Este é o perigo: tentar um pouco de cada coisa, ter resultados pífios e mudar de tática a cada vez que um fracasso é constatado (e divulgado pela imprensa). Por isso é que mudanças pontuais nunca serão a solução. Será preciso uma ampla reforma.
Cid Gomes, após ter sido anunciado como novo ministro da Educação, sinalizou em suas primeiras entrevistas que reformar o ensino médio, diversificando-o, será a prioridade de sua gestão nos próximos anos, e por isso quero chamar a atenção para o potencial que a definição de um novo currículo tem como estratégia inicial para disparar as demais mudanças e que, portanto, merece receber força total se quisermos realmente salvar a escola para os jovens.
O ensino médio brasileiro é absurdamente obsoleto. Mesmo quando uma escola funciona bem, ela não ensina o que os alunos precisam para a vida de hoje, reforçando um modelo ultrapassado e incapaz de gerar os resultados na qualidade e na escala necessárias. Não é por outra razão que cada vez mais os jovens estão desmotivados para estudar e almejam o diploma mais do que a aprendizagem. No máximo, querem a nota no Enem.
E não podemos culpá-los.
Enquanto estão numa aula, entre as tantas espremidas na sua grade curricular, o conhecimento produzido pela humanidade está disponível a todos os que tiverem acesso à internet (76% dos jovens de 15 a 17 anos no Brasil); as possibilidades de colaboração e troca de informação são cada vez mais acessíveis e constantes; aumentam as demandas por habilidades que estão fora do radar das escolas, como comunicação, debate de ideias, produção de novos conhecimentos e soluções de problemas reais; a necessidade de compreender e agir num mundo mais complexo, diverso e conflituoso é amplificada; e é crescente a velocidade das mudanças, do fluxo de novas informações e produções, principalmente em áreas de interesse dos jovens.
O nosso ensino médio tem um desenho uniformemente ruim. Do ponto de vista macroeconômico, o potencial de crescimento de uma nação tem relação direta com a diversidade e complexidade de conhecimentos e "know-how" presentes e consolidados na sua população. A raiz dessa diversidade está no sistema educacional do país. Na contramão do mundo, o nosso ensino médio tem as mesmas disciplinas para todos os alunos, cuja homogeneidade é reforçada por um Enem que é o mesmo para todos.
Não confundir, entretanto, a necessidade de diversificação com a ausência de uma Base Nacional Comum. Pois é a partir dessa base curricular que a diversificação de trajetórias no ensino médio faz sentido e pode ser ampliada.
Senhor ministro, por favor, faça valer a sua palavra e promova a reforma total do ensino médio para que ele faça sentido para os jovens, para o Brasil e para o século 21. O melhor ponto de partida é a reformulação curricular no sentido de diversificação de trajetórias e ofertas de cursos, que vai disparar e induzir mudanças em outras políticas. Apenas para citar algumas: o Enem precisará ter diferentes versões ou ser modular, a demanda por professores e a formação docente terão de se ajustar; os materiais didáticos terão de se diversificar e o uso das novas tecnologias se intensificará. Claro que a gestão disso tudo é extremamente complexa, difícil e conflituosa com o status quo. Mas essa é uma batalha que vale a pena lutar!
Se quiser deixar uma enorme marca não só para a educação, mas para os jovens e para o Brasil, não há outro caminho. Certamente, deixará descontentes muitos que estão confortáveis com a situação atual, mas terá o apoio dos milhões de jovens deste país e ainda sentirá orgulho de, num futuro muito próximo, vê-los construindo um Brasil melhor.
*Priscila Cruz é diretora executiva do Todos pela Educação e Mason Fellow na Harvard Kennedy School
Nenhum comentário:
Postar um comentário