10 de janeiro de 2015

Maurício Wilson Camilo da Silva, pesquisador: ‘O Rio de Janeiro rejeita os africanos’



Conte algo que não sei.Infelizmente, a maioria dos brasileiros só conhece a imagem da África pobre e de guerra. E, se levarmos em consideração o fato de que o Brasil é o segundo país com maior população afrodescendente do mundo, a ausência desse conhecimento é gritante. Enquanto aqui o conhecimento histórico da África é restrito ao africano escravizado e liberto, lá o processo é diferente, e leva em conta a ancestralidade dos grandes reinos e nobres do continente.
Que mudanças a expansão deste conhecimento pode provocar na dinâmica social? Quando a história da África se ligar aos seus descendentes, cujo conhecimento se resume à escravidão, isso pode acordar mais negros brasileiros ao entendimento de que eles não são apenas descendentes de escravos, mas também daqueles que foram senhores e tiveram as suas civilizações, como qualquer povo. E isso pode contribuir para uma revolução ideológica no Brasil.
Você não tem formação nesse assunto, mas organiza cursos a respeito. Como se deu o seu interesse na área?Ele vem da minha origem e da crença de que, se não conhecermos de onde saímos, fica complicado entendermos para onde vamos. E, nesse sentido, apesar de querer fazer um doutorado sobre o assunto, sou exemplo de que uma pessoa não precisa ter graduação em História para buscar tal bagagem, aprofundar-se nela e passá-la adiante.
Como tem sido sua experiência de oito anos no país?O Brasil é um país bastante heterogêneo, mas há muitos mitos construídos em relação a ele que só aqui você vê que são falsos. Um mito curioso é a ideia de que o carnaval dura meses: logo que cheguei, vi que não é nada disso. Outro mais sério é a percepção de que, por ser um país muito africano, é receptivo a esse imigrante.
Não é?O Brasil favorece mais os imigrantes europeus que os africanos. O Rio de Janeiro, na verdade, é uma cidade que rejeita muito os africanos.
Não gosta de morar no Rio?O Rio pode ser péssimo. Seria falsidade minha não dizer isso sobre uma cidade na qual, com frequência, passo por pessoas desprezadas nas ruas, e onde o número de homicídios, principalmente de negros e pobres, é gritante.
Não há coisas boas? Há, claro. E acredito que morar aqui tem sido um aprendizado. Acho que, fora do meu país, aqui é o único lugar onde continuaria a morar. É uma cidade que me deu a possibilidade, mesmo que pela rejeição, de me desvincular do campo da atenção social para refletir sobre mim. E isso me enriqueceu ideologicamente.
Já passou por situações de forte preconceito?Isso acontece a partir do momento em que saio de casa. Certa vez, um motorista de ônibus perguntou por que eu estava aqui. Disse brincando, mas nem tanto, que o africano chegou aqui acorrentado, ajudou a construir o país e hoje cheguei livre para desfrutá-lo.
O preconceito se estende ao ambiente acadêmico?A Academia reflete a sociedade. Então, o africano também é visto como inferior na universidade, e isso é percebido pelas relações e comportamentos na sala de aula. É um preconceito mais complexo.

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