20 de outubro de 2017

'Até agora o bullying não foi levado a sério', dizem especialistas

'1 OGlobo by Paula Ferreira  /  

— A suspeita de que o autor dos disparos que deixaram pelo menos dois mortos em uma escola em Goiânia seja alvo de bullying pelos colegas reascendeu a discussão sobre o tema. No Brasil, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) divulgados em abril deste ano, 17,5% dos alunos brasileiros, na faixa dos 15 anos, que participaram da última edição do exame são alvo de algum tipo de bullying pelo menos algumas vezes no mês. Mas, embora o número seja alto, especialistas destacam a questão ainda é relegada a segundo plano tanto pelas escolas, quanto pelo poder público.
As médias de bullying nas escolas brasileiras são ligeiramente inferiores à registrada nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que realiza o Pisa, onde 18,7% dos estudantes relataram sofrer com as agressões.
— Nessa situação falharam os pais e falhou a escola e quem vai pagar são as vítimas, e menino que fez os disparos, que também vai peder a vida. Alguém falhou com ele. Enquanto estivermos fazendo apenas campanhas de "diga não ao bullying", e as políticas públicas não pensarem de fato em projetos sistematizados a partir de investigações e não de senso comum, continuaremos vendo casos assim- criticou a pesquisadora da Unesp Luciene Tognetta, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). — Não temos incentivos a políticas públicas sobre o tema, porque também não temos incentivo a pesquisas na área de ciências humanas no Brasil. É necessário deixar claro que, infelizmente, nesse país temos um atraso terrível em pensar questões de convivência na escola.
Luciene é uma das coordenadoras de um programa de combate ao bullying presente em 11 escolas públicas e particulares no estado de São Paulo. No projeto, desenvolvido pelo Gepem, pesquisadores da Unesp e da Unicamp treinam alunos dessas instituições para atuarem ativamente contra esse tipo de comportamento, formando as chamadas "Equipes de ajuda". Os estudantes aprendem como identificar vítimas e agressores, e são instruídos a mediar os conflitos entre eles. A experiência na área, de acordo com Luciene, evidencia outro problema recorrente: a falta de formação dos professores para lidar com os casos.
— Qual o plano mais eficaz para que o bullying não aconteça? O jeito é que os alunos possam ser protagonistas e intervir, mas para isso preciso de professores formados que entendam essa necessidade e informem seus alunos. O bullying é um problema de convivência entre pares que não só muitos professores ignoram, porque estão preocupados com o conteúdo que vai cair no vestibular, como desconhecem, porque nunca tiveram formação sobre isso.
A educadora Andrea Ramal defende que o tema seja colocado no centro do debate educacional e não seja apenas visto como um tópico secundário.
— Até agora o bullying não foi levado a sério. Ele é trabalhado de uma maneira muito isolada nas escolas. Às vezes há um projeto que promove empatia, mas na maior parte das vezes, as escolas ainda fazem vista grossa, não chamam as famílias para conversar. Quando há um caso desse, as pessoas acordam para o problema, os pais falam com os filhos, as escolas fazem projetos, mas depois de um tempo tudo acaba esquecido.
Os dados do Pisa detalham ainda os tipos de bullying sofridos. De acordo com a estatística, 9,3% do brasileiros relataram que já foram alvo de zombarias dos colegas algumas vezes por mês. Entre os países da OCDE a taxa é de 10,9%. Outros 3,2% afirmam que já sofreram alguma agressão física na mesma frequência. A média da OCDE foi 4,3%. Os especialistas orienta que os país devem estar atentos ao comportamento dos filhos para identificar tanto se ele sofre, ou se pratica o bullying com colegas e solucionar o problema o quanto antes.
— Os meninos que fazem bullying são crianças que têm comportamento agressivo, podem até ser ex-vitimas, e, geralmente, têm pais que reforçam esse comportamento, porque acham legal que o filho comande a turma. Se o filho tem um temperamento forte, se quer fazer que a brincadeiras somente do jeito dele pode ser um indício. Quem é a vítima? um jovem pouco assertivo, que tem comportamento passivo, que não reage quando é incomodado. Pode não querer ir à escola e apresentar queda no rendimento escolar— afirma o psiquiatra infantil Fábio Barbirato, que atendeu algumas vítimas do massacre de Realengo, quando um jovem invandiu uma escola na Zona Oeste do Rio e matou 12 crianças.
CONSEQUÊNCIAS PRECISAM SER TRATADAS
A avaliação internacional também mostrou o impacto das agressões sobre as notas. No caso do Brasil, os estudantes de escolas onde há alta prevalência de bullying tendem a registrar 20 pontos a menos na prova de ciências do Pisa em comparação com unidades onde o nível de agressão é baixo.
Após o trauma, o psiquiatra alerta que a partir de agora é importante cuidar das sequelas tanto das vítimas do atentado em Goiânia, quanto do menino que efetuou os disparos.
— A reação ao bullying depende de cada indivíduo, alguns desenvolvem um quadro depressivo, outros um quadro de irritabilidade que culmina em um tiro. O que aconteceu hoje não é diferente do que aconteceu em Columbine. Não é uma perversidade, maldade, porque quando é perverso, você faz para não ser pego. Foi uma conduta inadequada, impusliva, de alguém que, de alguma forma, estava sob uma panela de pressão que explodiu e não teve apoio e suporte de todos os meios envolvidos. São sequelas que precisam ser trabalhadas nas vítimas e no autor.

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