No espaço escolar, quando não ocorre uma efetiva intervenção contra o bullying, o ambiente fica contaminado para violência explicita ou velada nas redes sociais
Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita*
20 Outubro 2017 | 16h33
Um estudante de 14 anos disparou tiros contra os colegas, no dia de hoje, dentro do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental, em Goiânia. De acordo com o Corpo de Bombeiros e Polícia Militar, dois estudantes morreram e outros quatro ficaram feridos na unidade, localizada no Conjunto Riviera, bairro de classe média. As informações preliminares colhidas pela Policia Militar apontam que se tratou de mais um caso de bullying, no qual o atirador não suportou as ofensas dos demais alunos e, utilizando-se da arma dos pais, disparou tiros de forma indiscriminada.
Desde 2014, momento em que foi lançado o programa “Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying”, tenho alertado – de forma constante e ininterrupta – professores, alunos e pais sobre a gravidade do bullying no Brasil e o menosprezo da situação pelas autoridades públicas e determinados administradores escolares.
Crianças e adolescentes são constantemente violentados pelos seus pares nas redes sociais e nos pátios dos colégios, pois ainda existem 2 pensamentos equivocados sobre a intimidação sistemática, que são repetidos como mantras da ignorância comportamental:
Bullying é brincadeira de criança – isso passa; e, na minha época, não existia bullying – tudo se resolvia na porrada
O caso de hoje nos mostra exatamente o oposto e nos leva a alguns pontos de reflexão.
Nos termos da lei nº 13.185/15, considera-se como bullying todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
Todas as instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas têm o dever legal de instituir um Programa de Combate a Intimidação Sistemática (bullying) de acordo com a Lei 13.185/15. A vigência da lei iniciou em fevereiro de 2016 e o texto da norma é claro – a implementação do programa não é uma faculdade do gestor, é uma exigência imperativa-normativa.
Para que o programa de combate ao bullying seja realmente eficaz é essencial a abordagem do tema relacionado com à lei brasileira, interligado com o método pedagógico de ensino. Afinal, quando um caso grave de cyberbullying ocorre, o primeiro a ser acionado é o advogado, em virtude dos crimes cometidos entre os envolvidos (em especial o agressor e o administrador escolar).
A falta de implementação do programa de combate ao bullying e inadequação dos estabelecimentos de ensino à Lei 13.185/15, ocasionam de forma inevitável a falta de diagnose e prevenção aos casos de bullying. Quando o programa de combate ao bullying é implementado de forma correta, nos termos do artigo 4º da lei, a comunidade escolar estará envolvida com a problemática da intimidação sistemática e terá formas de coibir e auxiliar as vítimas e os agressores deste terrível evento.
O bullying só acontece em virtude da existência de três partes envolvidas, sendo elas: a vítima, o (os) agressor (res) e a plateia. Os alunos que convivem com a violência sistemática geralmente silenciam em razão medo de se tornar a “próxima vítima”, ou de ser chamado de “dedo duro”. No espaço escolar, quando não ocorre uma efetiva intervenção contra o bullying, o ambiente fica contaminado para violência explicita ou velada nas redes sociais; desta forma, todos, sem exceção, são afetados negativamente, experimentando sentimentos de terror e ansiedade. Quando a vítima é encurralada, o alvo da fúria é incerto, pois aquele que sofreu as humilhações e a exclusão social extravasa sua “sede de justiça” contra aqueles que estão na sua frente.
Para evitar que qualquer um faça “justiça com as próprias mãos” – crime previsto no artigo 345 do Código Penal, sem prejuízo da apuração dos demais atos ilícitos que envolvem a vingança particular (homicídio, lesão corporal, ameaça, injúria, calúnia, difamação etc.), é necessário e urgente que as autoridades públicas tenham consciência de que o bullying é um fenômeno a ser tratado de forma interdisciplinar, tendo em vista que envolverá os Ministérios da Educação, Saúde, Justiça e Segurança, Ciência e Tecnologia e Planejamento.
O bullying inevitavelmente repercute na ordem jurídica, sendo que o envolvimento de menores em episódios de agressão presencial e virtual abarrotam as varas judiciais com pedidos de reparação de danos morais e materiais, em valores expressivos em virtude da ausência de instrução jurídica dos envolvidos no problema (pais, alunos e educadores), que desconhecem as responsabilidades que lhe são atribuídas por lei e tentam, muitas vezes, “remediar” conflitos sem a assistência profissional especifica, atuando de forma displicente e inepta frente ao conflito.
O crescente números de casos de bullying exige da sociedade civil uma atuação específica e em conjunto com o Poder Judiciário, membros do Ministério Público, conselhos tutelares, União, Estados, municípios e suas respectivas secretarias para que as efetivas medidas protetivas sejam adotadas o mais rapidamente possível.
*Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, advogada e coordenadora do programa “Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying”
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