Lalo de Almeida/Folhapress | ||
Floresta Estadual do Paru, no Pará, que fica dentro da área da Renca |
Segundo uma pesquisa realizada na London School of Economics (LSE), no Reino Unido, cientistas costumam ter pouca voz no processo de formulação de políticas públicas no país.
"O uso dos argumentos científicos é muito superficial na política brasileira", explicou à Folha a professora de ciência política da LSE Flavia Donadelli, brasileira que se mudou para Londres em 2011. Ela é autora da pesquisa que aponta, entre outros achados, a baixa relevância de estudos acadêmicos e científicos para a política no Brasil.
Embora cientistas com frequência produzam estudos, publiquem argumentos e participem de debates públicos sobre políticas, seus argumentos não são usados em Brasília.
"A decisão política não precisa ser baseada em ciência no Brasil. Ninguém pede ciência. Não é uma fonte de credibilidade e legitimidade de decisões políticas. A sociedade não exige isso", disse.
A pesquisa de doutorado de Donadelli, defendida na LSE, avaliou dez anos de discussões e tomadas de decisões de políticas ambientais no Brasil. O levantamento indicou que há pouco acordo negociado e aprendizado no processo de tomada de decisões no Congresso, e que a ciência é deixada de fora da política.
"Uma das minhas perguntas era se as ciências biológicas e exatas contribuem para o processo de formação de políticas. Procurei entender o impacto da ciência", explicou a pesquisadora.
"Fora do Brasil existe muita interlocução entre ciência e política na formulação de políticas públicas. Quis saber como era isso no Brasil."
O trabalho de Donadelli avaliou mudanças nas políticas ambientais brasileiras em três áreas: o código florestal, a lei de acesso a recursos genéticos e as mudanças nas regras de importação de pesticidas e agrotóxicos.
"Pela análise dos debates no Congresso, avaliação de 343 documentos e de acordo com as 58 entrevistas que fiz, não achei praticamente nenhuma referência a argumentos científicos no processo de formulação e definição das políticas", explicou.Segundo ela, as áreas analisadas em sua pesquisa têm grande interação com ciência e teoricamente biólogos, ecólogos, médicos, físicos e químicos teriam muito a dizer sobre os temas. Eles até produziram estudos sobre as regulações, mas não foram ouvidos.
Para ela, se argumentos científicos tivessem sido incorporados ao debate nas três questões que analisou, o resultado político teria sido outro. "As pesquisas para o código florestal eram muito claras sobre proteção de áreas de preservação, o que daria uma decisão totalmente diferente", disse.
Apesar de enfocar especificamente questões ambientais no período de 2005 a 2015, o estudo ajuda a entender o processo por trás de várias outras discussões políticas no Brasil, segundo a pesquisadora.
"Isso é um perfil generalizado em outras áreas da política brasileira. Se nas questões que estudei, que são totalmente técnicas, não houve contribuição da ciência, em outras áreas também não existe", disse a professora.
Ela citou o recente debate sobre a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados, que "não teve nada de ciência na discussão".
A falta de força da ciência na política pode ser comparada ainda ao que acontece nos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump, que decidiu retirar o país do Acordo de Paris, explicou. Mas a situação brasileira é ainda pior.
"São situações em que a ciência não conta. Nos EUA é mais uma questão de manipulação. Até há uma aceitação da ciência, mas alguns estudos legitimam cientificamente o argumento contra a mudança climática. No Brasil não há nem isso. A ciência não é nem sequer manipulada."
Para ela, o problema é que não há uma cultura de interação entre a formulação de políticas e projetos e o uso do conhecimento acadêmico.
"Existe pouca interação em comparação com o que vejo no Reino Unido. No Brasil, acadêmicos muitas vezes não são nem chamados a participar do debate. Existe uma separação maior entre academia e política, infelizmente."
Segundo Donadelli, no caso específico das regulações ambientais, a ciência é deixada de lado por conta do predomínio do interesse de grupos com força econômica.
"Minha análise mostrou que quem pesa é a força do agronegócio", explicou.
Segundo sua pesquisa, o número de deputados da bancada ruralista aumentou de 111 para 160 nos dez anos analisados. Grupos de interesse e ambientalistas tentaram argumentar, se opor às mudanças, mas não foram ouvidos.
"As decisões foram empurradas por maioria, no voto, sem busca por consenso. Não chega a ser antidemocrático, mas como a bancada ruralista era maioria, passava com a força de voto direto e conseguia o que queria. É o risco da democracia como ditadura da maioria."
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