14 de outubro de 2017

Segurança: JACQUELINE MUNIZ E DANIEL MISSE Uma gambiarra policial para fazer menos do mesmo?



Tânia Rêgo/Agência Brasil
Força Nacional está no Morro Santo Amaro desde maio de 2012Tânia Rêgo/Agência Brasil
Agentes da Força Nacional em operação no morro Santo Amaro, no Rio, que durou de 2012 a 2016
No futebol, quem "joga nas onze" não é craque estrategista ou titular de uma posição tática. É um genérico que aceita ser visto como perna de pau e capacho de cartolas, só para permanecer na partida.
Com a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) arrisca-se algo parecido, com consequências graves para a cidadania torcedora de uma polícia democrática, eficaz, eficiente e efetiva.
A FNSP foi criada em 2004 para ser uma força de mobilização federativa, composta por frações temporárias de efetivos estaduais, voltada para ação qualificada, pontual e provisória, no estado de emergência e de urgência.
Sua marca corresponde à elevada especialização para obter resultados superiores em missões de alto risco, em áreas pequenas e no menor tempo. Isso explica sua pertinência, propriedade e oportunidade para atuar na incerteza e no perigo, atender às demandas simultâneas em todo o país, sem extrapolar para mau uso ou abuso de força.
Para servir a projetos de poder, têm-se ampliado gradativamente as atribuições da FNSP, comprometendo sua imagem, competência e presteza. Virou rotina improvisá-la em todas as posições policiais: emergência, operações especiais, patrulha, escolta, perícia, investigação e inteligência. E isso amparado numa capciosa armadilha legal que perverte a FNSP em uma procuração aberta a qualquer tarefa e um cheque em branco, ilimitado, renovável entre aliados.
Nesta manobra político-normativa, com pouca transparência, garante-se a permanente escalação da FNSP como uma gambiarra em tudo que seja rotulado como "crise da segurança".
Descaracteriza-se um time especializado, capaz de agir como um corpo tático para obter um desempenho que justifique sua existência e o elevado custo de mobilização, preparo, engajamento, pronto-emprego e desmobilização.
Iniciada em 2012, a Missão Pacificadora II, no morro Santo Amaro, no Rio de Janeiro, durou quatro anos. Como previsível, não conseguiu garantir a rotina de policiamento em apoio às polícias estaduais. Mas exauriu a capacidade ostensiva, a unidade tática e a mobilidade operacional da FNSP, gerando escassez nos Estados que cederam efetivos pela sua imobilização muito além do suportável. Estima-se um gasto de R$ 14,6 milhões só em diárias para cada grupo de 50 policiais empenhados.
Os resultados seguiram uma curva de declínio quanto mais o tempo passava: a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) prevista não foi implantada, não melhorou a segurança na localidade.
Em vez de delimitar e regulamentar o poder de polícia, assiste-se a arroubos perigosos de ampliação do poder da FNSP sem dispositivos de controle interno e externo, de "accountability" e de responsabilização.
O que se vislumbra? A concentração do poder de polícia na União, que estimula o desequilíbrio federativo, ressuscita o fantasma da intervenção e potencializa conflitos de competência entre as forças; a cristalização de corporações sem tutela que aparelham o temor coletivo, chantageiam governos, fabricam ameaças para obter mais poder e governar em seu lugar; o rebaixamento da política de segurança a uma sucessão fragmentada de táticas e de seus saldos operacionais limitados; a constituição de regimes policiais de exceção que autorizam práticas heterodoxas que fragilizam direitos garantidos.
Com isso, inverte-se o sentido republicano da espada, que acredita poder desenhar a mão que a empunha e determinar a vontade da sociedade que decide em quê, quando e como empregá-la.
JACQUELINE MUNIZ, antropóloga, é professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
DANIEL MISSE, sociólogo, é professor do Departamento de Segurança Pública da UFF

Nenhum comentário:

Postar um comentário