21 de outubro de 2017

Combinação fatal entre ‘bullying’ e armas aumenta chances de novas tragédias




SÃO PAULO E RIO — A combinação do que especialistas chamam de “bullying crônico” com o acesso facilitado a armas por parte até de crianças e adolescentes aumenta a chance de possíveis novas tragédias como a que aconteceu na sexta-feira em Goiânia. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a eventual falha na segurança das escolas também pode reforçar esse risco.

Segundo a psicóloga Iolete Ribeiro da Silva, do Conselho Federal de Psicologia, os estudante costumam ter duas reações após episódios de bullying: o isolamento ou a reação. Iolete afirmou que os efeitos são diferentes de acordo com a idade: quanto mais novos, menos recursos emocionais a criança terá para lidar com a violência de colegas.
— Não é algo que se limita à fase da adolescência. Em todos os níveis de ensino esses episódios acontecem e, na maioria dos casos, a escola não se posiciona — disse.
Pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de abril deste ano, mostrou que 17,5% dos estudantes brasileiros na faixa dos 15 anos disseram ter sofrido algum tipo de bullying. Os dados mostram que as formas mais comuns são zombarias de colegas ou, em 3,2% dos casos, agressões físicas.
— Nessa situação, falharam os pais e falhou a escola. E quem vai pagar são as vítimas e o menino que fez os disparos, que também vai ter sua vida destruída. Alguém falhou com ele. Enquanto estivermos fazendo apenas campanhas de “diga não ao bullying” e as políticas públicas não estiverem voltadas de fato para projetos sistematizados a partir de investigações e não de senso comum, continuaremos vendo casos assim — criticou a pesquisadora da Unesp Luciene Tognetta, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem).
Os dados do Pisa detalham ainda os tipos de bullying sofridos. De acordo com a estatística, 9,3% do brasileiros relataram que já foram alvo de zombarias dos colegas algumas vezes por mês. Outros 3,2% afirmam que já sofreram alguma agressão física na mesma frequência.
CRISE NA SEGURANÇA PÚBLICA
Os especialistas orientam que os pais devem estar atentos ao comportamento dos filhos para identificar tanto se eles sofrem quanto se praticam o bullying, para solucionar o problema o quanto antes.
No caso do Brasil, os estudantes de escolas onde há alta prevalência de bullying tendem a registrar 20 pontos a menos na prova de ciências do Pisa, em comparação com unidades onde o nível de agressão é baixo.
Para Neide Noffs, psicopedagoga e titular da faculdade de Educação da PUC de São Paulo, a “crise social complexa”, acentuada pela violência das grandes cidades brasileiras, também colabora para que reações extremas ocorram.
— O Brasil tem morros ocupados pelo narcotráfico, por gente armada. Arma acessível, que muitos acreditam que pode ajudar a resolver seus problemas na base da agressão — argumentou Noffs.
Ela destacou ainda que os sinais nos casos de bullying são quase sempre evidentes. Segundo a especialista, além da dificuldade de crianças e adolescentes de lidarem com atos de violência, a escola é responsável por identificar quando algo errado ocorre.
— Quais eram os sinais? Um aluno deslocado na sala, por exemplo. Como nenhum adulto percebe? É uma falha, sempre há sinais, como um isolamento no recreio — afirmou.
Presidente da seção goiana da Associação de Psicopedagogia, Lucila Menezes Guedes Monferrari também lembrou que o bullying leva desde casos extremos, como o de ontem, até danos psicológicos leves em estudantes.
— No bullying, todos sofrem: a vítima, quem pratica, as testemunhas. É uma violência que leva à dificuldade de aprendizagem e principalmente dificuldade de criar vínculos sociais — disse.
A origem da agressão, muitas vezes, pode estar ligada a sofrimento de quem ataca colegas de sala, seja com xingamentos ou violência.
— Os meninos que fazem bullying são crianças que têm comportamento agressivo, podem até ser ex-vítimas e, geralmente, têm pais que reforçam esse comportamento, porque acham legal que o filho comande a turma — afirma o psiquiatra infantil Fabio Barbirato.

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