A discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil deve voltar ao holofote em breve.
Uma proposta de emenda constitucional (PEC) que propõe a diminuição da idade mínima para uma pessoa responder por crimes hediondos (como homicídio e latrocínio) dos atuais 18 para 16 anos está na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
O assunto ficou em forte evidência em 2015 quando a Câmara dos Deputados discutiu e aprovou a PEC que define a mudança. Caiu no esquecimento por um tempo. Agora deve voltar à tona.
Em um país com elevada criminalidade, como o Brasil, acho o debate legítimo. O grande problema é que ele ocorre sem que se discuta um ponto crucial: quais as chances de que, como política pública, essa mudança seja eficaz?
Como mostram os trabalhos de Richard Thaler, acadêmico que acaba de ganhar o Prêmio Nobel de Economia, os seres humanos são pouco racionais até quando se baseiam em estatísticas e fatos passados.
Nas discussões sobre redução de maioridade penal no Brasil, a situação é pior, porque nem sequer nos pautamos em subsídios palpáveis.
Quando esse debate ganhou fôlego, há dois anos, não havia dados compilados sobre o envolvimento de menores com crimes no país.
Depois de dois meses batendo na porta de todos os Estados no primeiro semestre de 2015, o repórter Reynaldo Turollo Jr. e eu concluímos que os poucos números existentes mostravam uma miscelânea de procedimentos de coleta e contabilização.
Alguns meses depois, os pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Coelho, do Ipea, publicaram uma pesquisa que jogava luz no debate.
Com base em números do Ministério Público, eles mostraram que os menores representavam 8% das denúncias de crimes contra a vida feitas pelo órgão à Justiça no país.
Esses dados, eles ressaltam, não são a medida ideal. Por serem menos experientes que adultos, os menores têm mais chance de serem pegos em flagrante. Podem, portanto, estar sobrerepresentados nas notificações.
Além disso, os números foram extraídos de denúncias e não de condenações finais.
O levantamento de Cerqueira e Coelho indicou, no entanto, que o envolvimento médio de menores com crimes contra a vida não é tão baixo quanto o 0,5% que chegou a ser citado, em 2015, pelo governo federal —sem que ninguém soubesse sua origem— nem tão alto quanto os 30% informados à Folha por alguns Estados.
Confirmou ainda que, por não ser insignificante, a estatística merece esforços para reduzi-la.
Mas aí voltamos para a questão original: o que temos de evidência de que a redução da maioridade penal seria o instrumento mais eficaz para isso?
Um trabalho dos pesquisadores Francisco Costa, João Faria e Felipe Iachan, publicada pela EPGE-FGV, traz indicações interessantes.
Eles mensuraram o impacto da transição dos 17 para os 18 anos —quando os jovens passam a responder penalmente por seus crimes— sobre a criminalidade de homens.
O efeito favorável ao argumento da redução da maioridade seria uma queda significativa. Ou seja, a passagem para uma idade em que penas mais duras são aplicadas seria um incentivo para que o jovem se afastasse do crime.
Mas o resultado que os pesquisadores encontraram para a maioria das grandes regiões urbanas do Brasil foi quase insignificante.
Pesquisas internacionais —com base em séries de dados mais robustas e em mudanças de legislação já ocorridas— trazem um misto de evidências favoráveis e desfavoráveis ao endurecimento das penas para menores infratores.
No Uruguai, não houve redução da maioridade penal, mas foram adotadas punições mais duras em 2013. Desde então, a parcela de homicídios cometidas por adolescentes tem caído.
Nos EUA, há pesquisas mais antigas que mostram efeito parecido, mas estudos recentes apontam na direção contrária.
Já entrevistei acadêmicos dos dois lados e, apesar dos resultados divergentes, suas explicações sobre as discrepâncias convergem.
Segundo Ignacio Munyo, autor de um estudo sobre o Uruguai, uma das causas da ambiguidade pode estar no grau de severidade das penas. Menores presos por muito tempo tendem a se especializar ainda mais em crimes.
"A introdução de punições mais severas deve evitar cruzar a linha na qual a cura pode se provar pior do que a doença", me disse ele em 2015.
Na época, a acadêmica americana Emily Owens afirmou algo parecido: "Estamos prendendo os caras maus, mas também aqueles que provavelmente não ajudam a sociedade estando presos. (...) A prisão provavelmente só os 'endurece' e destrói suas perspectivas de trabalho".
Mas onde ficaria a tal linha mencionada por Munyo?
As avaliações desses pesquisadores indicam que é difícil calibrar o efeito de penalidades mais severas para menores.
Elas podem levar a uma queda dos índices de criminalidade, mas podem também acabar sendo um tiro pela culatra.
A trilha melhor, portanto, talvez seja buscarmos outros instrumentos comprovadamente eficazes na redução da violência juvenil. As evidências mais robustas indicam que esse caminho seria a educação.
Cerqueira, do Ipea, e Rodrigo Moura, da FGV, têm um trabalho que revela que, a cada 1% de aumento na parcela de adolescentes de 15 a 17 anos que frequentam a escola, os homicídios registrados em um município caem 5,8%.
Na pesquisa sobre maioridade penal, Cerqueira e Coelho também apresentam exercícios que apontam um impacto potencial enorme do aumento da escolaridade sobre a redução da violência.
Não faltam evidências da importância da educação para o aumento do bem-estar social e do desenvolvimento econômico. Parece, no entanto, faltar potencial arrecadador de votos, o que depõe fortemente contra nós, brasileiros.
Uma proposta de emenda constitucional (PEC) que propõe a diminuição da idade mínima para uma pessoa responder por crimes hediondos (como homicídio e latrocínio) dos atuais 18 para 16 anos está na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
O assunto ficou em forte evidência em 2015 quando a Câmara dos Deputados discutiu e aprovou a PEC que define a mudança. Caiu no esquecimento por um tempo. Agora deve voltar à tona.
Em um país com elevada criminalidade, como o Brasil, acho o debate legítimo. O grande problema é que ele ocorre sem que se discuta um ponto crucial: quais as chances de que, como política pública, essa mudança seja eficaz?
Como mostram os trabalhos de Richard Thaler, acadêmico que acaba de ganhar o Prêmio Nobel de Economia, os seres humanos são pouco racionais até quando se baseiam em estatísticas e fatos passados.
Nas discussões sobre redução de maioridade penal no Brasil, a situação é pior, porque nem sequer nos pautamos em subsídios palpáveis.
Quando esse debate ganhou fôlego, há dois anos, não havia dados compilados sobre o envolvimento de menores com crimes no país.
Depois de dois meses batendo na porta de todos os Estados no primeiro semestre de 2015, o repórter Reynaldo Turollo Jr. e eu concluímos que os poucos números existentes mostravam uma miscelânea de procedimentos de coleta e contabilização.
Alguns meses depois, os pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Coelho, do Ipea, publicaram uma pesquisa que jogava luz no debate.
Com base em números do Ministério Público, eles mostraram que os menores representavam 8% das denúncias de crimes contra a vida feitas pelo órgão à Justiça no país.
Esses dados, eles ressaltam, não são a medida ideal. Por serem menos experientes que adultos, os menores têm mais chance de serem pegos em flagrante. Podem, portanto, estar sobrerepresentados nas notificações.
Além disso, os números foram extraídos de denúncias e não de condenações finais.
O levantamento de Cerqueira e Coelho indicou, no entanto, que o envolvimento médio de menores com crimes contra a vida não é tão baixo quanto o 0,5% que chegou a ser citado, em 2015, pelo governo federal —sem que ninguém soubesse sua origem— nem tão alto quanto os 30% informados à Folha por alguns Estados.
Confirmou ainda que, por não ser insignificante, a estatística merece esforços para reduzi-la.
Mas aí voltamos para a questão original: o que temos de evidência de que a redução da maioridade penal seria o instrumento mais eficaz para isso?
Um trabalho dos pesquisadores Francisco Costa, João Faria e Felipe Iachan, publicada pela EPGE-FGV, traz indicações interessantes.
Eles mensuraram o impacto da transição dos 17 para os 18 anos —quando os jovens passam a responder penalmente por seus crimes— sobre a criminalidade de homens.
O efeito favorável ao argumento da redução da maioridade seria uma queda significativa. Ou seja, a passagem para uma idade em que penas mais duras são aplicadas seria um incentivo para que o jovem se afastasse do crime.
Mas o resultado que os pesquisadores encontraram para a maioria das grandes regiões urbanas do Brasil foi quase insignificante.
Pesquisas internacionais —com base em séries de dados mais robustas e em mudanças de legislação já ocorridas— trazem um misto de evidências favoráveis e desfavoráveis ao endurecimento das penas para menores infratores.
No Uruguai, não houve redução da maioridade penal, mas foram adotadas punições mais duras em 2013. Desde então, a parcela de homicídios cometidas por adolescentes tem caído.
Nos EUA, há pesquisas mais antigas que mostram efeito parecido, mas estudos recentes apontam na direção contrária.
Já entrevistei acadêmicos dos dois lados e, apesar dos resultados divergentes, suas explicações sobre as discrepâncias convergem.
Segundo Ignacio Munyo, autor de um estudo sobre o Uruguai, uma das causas da ambiguidade pode estar no grau de severidade das penas. Menores presos por muito tempo tendem a se especializar ainda mais em crimes.
"A introdução de punições mais severas deve evitar cruzar a linha na qual a cura pode se provar pior do que a doença", me disse ele em 2015.
Na época, a acadêmica americana Emily Owens afirmou algo parecido: "Estamos prendendo os caras maus, mas também aqueles que provavelmente não ajudam a sociedade estando presos. (...) A prisão provavelmente só os 'endurece' e destrói suas perspectivas de trabalho".
Mas onde ficaria a tal linha mencionada por Munyo?
As avaliações desses pesquisadores indicam que é difícil calibrar o efeito de penalidades mais severas para menores.
Elas podem levar a uma queda dos índices de criminalidade, mas podem também acabar sendo um tiro pela culatra.
A trilha melhor, portanto, talvez seja buscarmos outros instrumentos comprovadamente eficazes na redução da violência juvenil. As evidências mais robustas indicam que esse caminho seria a educação.
Cerqueira, do Ipea, e Rodrigo Moura, da FGV, têm um trabalho que revela que, a cada 1% de aumento na parcela de adolescentes de 15 a 17 anos que frequentam a escola, os homicídios registrados em um município caem 5,8%.
Na pesquisa sobre maioridade penal, Cerqueira e Coelho também apresentam exercícios que apontam um impacto potencial enorme do aumento da escolaridade sobre a redução da violência.
Não faltam evidências da importância da educação para o aumento do bem-estar social e do desenvolvimento econômico. Parece, no entanto, faltar potencial arrecadador de votos, o que depõe fortemente contra nós, brasileiros.
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