Quem vai a campo conhecer a realidade das escolas brasileiras ouve relatos tão assustadores quanto revoltantes. Crianças e adolescentes revelam experiências de assédio moral e sexual, agressão verbal e física, dramas psicológicos variados. Mas a frequência e a reincidência dessas práticas causam mais que assombro e indignação. Despertam uma pergunta básica: por quê?
Onde estão os responsáveis por alunos tão jovens, antes, durante e depois de eles passarem por vivências traumatizantes? O que fizeram para prevenir, enfrentar ou solucionar o problema? Elegem corretamente suas prioridades em termos de educação? Enxergam e conhecem, de fato, os alunos que passam no mínimo quatro horas por dia na escola? Enxergam e conhecem, realmente, quem está perto deles enquanto estudam, brincam, lancham, conversam?
É inegável a relevância de fatores como número de matrícula, taxa de permanência na escola, desempenho escolar, indicadores de qualidade. No entanto, esses dados estão diretamente relacionados com o ambiente físico e, sobretudo, psicológico em que meninas e meninos adquirem conhecimentos que farão diferença pelo resto de suas vidas.
Quando um vigia provoca um incêndio que leva à morte crianças e a si próprio dentro de uma escola, o episódio gera comoção nacional. Mas corre o risco de cair no esquecimento. Quem ainda ouve falar da morte de mais de uma dezena de crianças numa escola de Realengo, em 7 de abril de 2011? Um atirador disparou à queima-roupa contra professoras e estudantes, suicidando-se em seguida.
Esses são casos extremos que ganham as manchetes. Há, porém, os crimes silenciosos, que raramente têm visibilidade e, portanto, se perpetuam sem que se tente impedi-los.
Ninguém suspeita de nada? Ninguém lê nas escolas os sinais que normalmente antecedem e caracterizam as diferentes formas de violência de que são alvos tantos estudantes? Ademais, como se sabe, a educação de meninas, meninos, adolescentes e jovens extrapola o âmbito familiar e envolve uma rede que vai dos gabinetes do poder público às salas de aula, passando por pátios, cantinas, quadras esportivas, entorno escolar. Todos têm sua parcela de responsabilidade pela saúde física e mental dos milhões de estudantes que hoje frequentam as mais de 200 mil escolas de educação básica do Brasil.
Cabe lembrar que os diversos tipos de violência não se restringem às instituições públicas de ensino. Incluem as particulares. Naturalmente, a falta de recursos das famílias de baixa renda agrava o quadro, pois elas geralmente não têm como apelar para trocas de sala, de escola ou de professores ou mesmo, em casos extremos, para contratar psicólogos, advogados ou quaisquer profissionais necessários para garantir o bem-estar da criança em situação de agravo.
Tudo isso se torna ainda mais preocupante quando se observa uma espécie de complexo de avestruz, pelo qual não enxergar a gravidade da situação ou negá-la é a única resposta a um drama que afeta estudantes, professor e o próprio sistema escolar.
Chama a atenção que um país como o Brasil, com uma das taxas mais altas de violência do mundo, despreze a necessidade de se pesquisar por que esses níveis inaceitáveis de outras formas de violência atingem as escolas. É de pequenos cidadãos que estamos tratando. Merecem políticas públicas que tornem visível o problema para enfrentá-lo imediatamente.
Jorge Werthein é sociólogo e foi representante da Unesco no Brasil e nos Estados Unidos
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