30 de outubro de 2014

Conversando com o autor Latino-Americano: Alejandro Crimson

 

O antropólogo argentino participou de atividade nesta quarta-feira (29/10) que integrou a programação do 38º Encontro Anual da ANPOCS
O antropólogo argentino Alejando Crimson, da Universidad Nacional de San Martín (Buenos Aires), foi o convidado para a estreia da sessão “Conversando com o autor latino-americano”, espaço destinado a destacados pesquisadores na América Latina, em sintonia com o esforço de ampliar o escopo da internacionalização das ciências sociais brasileiras. A atividade, ocorreu nesta quarta-feira (29), e integrou a programação do 38º Encontro Anual da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Em sua palestra, intitulada “Argentina exotizada, como si hiciera falta”, o pesquisador abordou as 70 mitomanias que os argentinos falam sobre seu país e sobre si mesmos, pesquisa publicada em seu mais recente livro “Mitomanias Argentinas”, um estudo antropológico da linguagem coloquial tanto nos momentos de soberba como de autodenegrição do cotidiano dos argentinos. A ANPOCS bateu um papo com ele após sua conferência para saber mais sobre o assunto. Confira na entrevista abaixo!

ANPOCS: Na sua palestra você expôs uma seleção de 70 mitomanias que os argentinos falam do seu país e de si próprios. Você poderia citar algumas e falar sobre elas?
Alejandro Grimson: Tem uma [mitomania] muito forte de que a Argentina é um país europeu. Isso tem uma grande influência no sentido do imaginário social sobre a nação, que contribui para a soberba, muito conhecida dos argentinos, mas, também, para a frustração deles para com o país existente de fato. É antiga essa história da ‘europeidade’ da Argentina, um país branco, no sul da América, que tem uma conotação de superioridade, e eu faço uma crítica disso. Mas, por outro lado, os argentinos sabem que o seu país não é a Europa. Além do que eles superestimam a Europa, imaginando-a melhor do que de fato é. Eu sempre falo que os europeus adorariam morar na Europa imaginada pelos Argentinos, como se fosse um território perfeito, tudo funciona perfeito, não tem desigualdade, não tem problema nenhum.
A segunda mitomania muito importante é a ideia de que todo o tempo no passado foi melhor do que o presente: ‘A Argentina já foi um grande país, uma grande potência, perdeu tudo e hoje é um desastre’. Essa ideia é um obstáculo para entender quais coisas hoje funcionam melhor e pior do que no passado. Mas, é uma ideia que regula tudo e que faz com que os cidadãos olhem tudo o que acontece no país, na política, na democracia, na economia, na educação, na saúde como se fosse sempre pior do que no passado. E é obvio que não é assim. Porque, por exemplo, a Argentina nunca na sua história teve 30 anos de democracia continuada, hoje a Argentina tem o menor índice de analfabetismo também, muito mais universidades do que em outra época… Então, há fatores que pioraram e que melhoraram. E essa realidade é muito mais complexa.
Outra mitomania é que ‘na Argentina não tem racismo porque não tem negros’, o que já é uma ideia racista. O uso do termo negro na Argentina é muito classista porque todos os pobres são considerados negros, assim como todos os favelados, os peronistas e os torcedores do clube de futebol mais popular. Então, por um lado, segundo a mitomania, não há negros, por outro lado, na linguagem popular, metade da população é negra.

ANPOCS: Como foi o processo e o que você concluiu com este estudo?
G.: Eu venho fazendo pesquisas há cerca de vinte anos na Argentina e, há quatro anos, eu decidi tentar colocar essas pesquisas e também outras pesquisas das ciências sociais argentinas em tensão com a linguagem coloquial dos argentinos. E tentar saber exotizar essa linguagem, porque é uma linguagem que está no meu corpo, na minha própria fala, na fala de amigos… Essas frases que eu cito são frases que você escuta durante a sobremesa do domingo, no boteco, no trabalho, no ônibus, na mídia. Assim, a ideia foi exotizar isso, criar metodologicamente uma distância e então ir registrando as frases, pouco a pouco. A partir daí, fazer uma crítica dessas frases com dados da pesquisa antropológica e sociológica, mas numa linguagem para um público comum. É meu primeiro livro dedicado a um público que não é só acadêmico, embora as informações que o livro oferece aos leitores são informações da academia, da universidade e das pesquisas.

ANPOCS: Queria comentar algo que você disse sobre os argentinos acharem que o passado é sempre melhor do que o presente. Você acha que isso, de alguma forma, contribui para a polarização amor x ódio dos cidadãos argentinos em relação ao atual governo da Cristina Kirchner?
G.: A ideia da decadência da Argentina nasceu no final da década passada, depois da ditadura, no ano 1976, que destruiu o aparelho industrial da Argentina, que era importante, e também deu golpes muito duros para a universidade e para a educação. Os anos 80, quando volta a democracia no ano 1983, o governo praticamente não tem orçamento, é uma situação de crise permanente. E, nos anos 90, chega um neoliberalismo extremo na Argentina quando o governo do [Carlos Saúl] Menem assume, e tem essa situação que o governo cria a paridade dólar X peso, um dólar vale um peso e vice-versa, mas isso gera uma situação que culmina em um processo de recessão no ano 1998 e que vai até o ano 2002. E essa recessão esteve acompanhada de aumento de desemprego, que foi de 15% para 22%. Tem toda uma coisa de que a classe média na Argentina está em processo de desaparecimento. O governo Kirchner produz também uma divisão onde os opositores do governo atual tem um discurso de que a Argentina continua no processo de decadência e o oficialismo politico acha que o país já resolveu esse processo.
A minha posição é uma posição de distanciamento crítico para tentar compreender essa divisão, desde as ciências sociais, e tentando contribuir para um debate público menos polarizado do que se tem hoje na Argentina.

ANPOCS: Você recebeu diversos prêmios com as suas obras, como o “Relatos de la diferencia y la Igualdad”, que ganhou o prêmio FELAFACS, como a melhor tese em comunicação na América Latina. Depois de publicar “La Nacion em sus limites, interculturalidad y comunicación”, você também recebeu o prêmio Bernardo Houssay pelo Estado Argentino, como o mais destacado pesquisador jovem nas Ciências Sociais. De certa forma, nos seus estudos você sempre busca estudar a questão dos contrastes e dos limites culturais…?
G.: Eu pesquiso, por um lado, uma sociedade -pode ser um bairro, uma comunidade, um Estado, uma nação-, que pode ser compreendida como uma configuração cultural. Isso significa que você tem uma grande heterogeneidade dentro de qualquer sociedade, mas que essa heterogeneidade tem um tipo de associação histórica particular dentro de cada uma delas. Então, quando você estuda cada sociedade, você pode fazer uma comparação com como funciona essas heterogeneidades em outras configurações. Porque você pode ter desigualdade em duas sociedades, mas em cada sociedade essa desigualdade é processada de uma forma particular, tem formas particulares de conflito e de confronto, que tem a ver com sua própria história e contexto. Então, isso tem uma potencialidade comparativa que eu consegui desenvolver. Em parte da minha tese de doutorado, eu abordei as fronteiras do Brasil e da Argentina. Em outra parte, num projeto posterior, que é um livro que se chama “Paixões Nacionais”, diz uma comparação bastante abrangente entre cultura política no Brasil e Argentina.

No seu mais recente livro “Mitomanias Argentinas”, no qual foi baseada sua conferência, você propôs um modo de abordagem crítico do sentido comum que teve repercussão na televisão…
G.: Lá, na Argentina, há vários anos, o Ministério da Educação criou um canal educativo, chamado Encuentro, muito respeitado, no qual se procura abordar a ciência, a matemática, a biologia, a física, a filosofia com uma linguagem acessível para o público. Nesse canal, a gente desenvolveu um programa de televisão em oito capítulos baseado no livro “Mitomanias Argentinas”, num intento de aproximar a Antropologia da Sociedade Contemporânea para o grande público. Elaboramos esse programa, homônimo ao livro, no qual combinamos os conceitos da antropologia ao humor. Chamamos alguns humoristas para algumas piadas, porque a antropologia e o humor tem algo em comum: assim como essa ciência precisa de uma distância [de seu objeto de estudo] para compreender, o humor sobre o próprio país também implica uma reflexão, um convite lúdico para refletir sobre determinado assunto. Então, esses programas tem uma parte bastante engraçada e teve muito sucesso na televisão. Está na web, as pessoas podem assistir ao programa pela internet.

ANPOCS: É a primeira vez que você participa como palestrante de um Encontro da ANPOCS?
A.C.: Sim.

ANPOCS: O que você achou de participar do encontro?
A.C.: É um programa muito interessante, pois coloca muitas discussões estratégicas sobre as ciências sociais contemporâneas, os seus desafios, os seus problemas, as suas agendas. Eu acho muito interessante conhecer de perto os debates que hoje tem as ciências sociais brasileiras. Eu fiz o doutorado no Brasil, na Universidade de Brasília, mas finalizei faz doze anos. Então, mesmo que eu tenha feito uma tradução para o espanhol do livro “Antropologia Brasileira Contemporânea”, que é uma coletânea, isso me deixou atualizou apenas neste campo. Vir à ANPOCS vai muito além da Antropologia, é possível ver a agenda de outros campos das Ciências Sociais brasileira.

ANPOCS: Você selecionou algumas mesas para assistir aqui no Encontro?
C.: Eu fui para a mesa do Luiz Eduardo Soares, fui para outras mesas hoje,  e pretendo ir para a mesa do Luiz Eduardo Cardoso.
 
(Natasha Ramos/Ascom ANPOCS)

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