9 de outubro de 2014

Quantidade sem qualidade - ainda


PRISCILA CRUZ - O ESTADO DE S.PAULO
08 Outubro 2014 | 02h 04

Estamos em pleno processo eleitoral no Brasil e pouco se fala em melhorar a qualidade da educação com coragem necessária para dar um salto. Recentemente foram divulgados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-2013. E, como esperado, houve crescimento na média de anos de estudo dos brasileiros, de 7,5 para 7,7 anos. Também aumentou a porcentagem de crianças de 4 e 5 anos que frequentam a educação infantil, um aumento expressivo de 3 pontos porcentuais em um ano. Olhando pelo lado quantitativo, tudo parece ir bem - afinal, estamos melhorando. Entretanto, isso não deveria deixar os gestores públicos nem a nós, cidadãos preocupados com o País, com nossas crianças e nossos jovens, tranquilos e satisfeitos. Por três razões bem conhecidas: a necessidade de recuperar centenas de anos de descaso com a educação, as políticas públicas insuficientes para dar respostas que nos coloquem no patamar de países mais desenvolvidos e, em consequência, a enorme falta de qualidade da educação.Sobre o descaso, demoramos até para ter uma elite intelectual formada no Brasil. Os cursos superiores foram criados de forma isolada no País no início de 1800 e as primeiras universidades surgiram só no início do século 20, ao passo que no México a primeira universidade foi fundada em 1551. Mas, e para toda a população havia escola pública gratuita e universal? Não, muito longe disso. Há poucas décadas começamos o tardio processo de inclusão das crianças na escola. E um dos resultados é o persistente analfabetismo adulto no País: 8,5% das pessoas de 15 anos ou mais não sabem ler e escrever, estão na escuridão. Segundo a Unesco, na América do Sul estamos empatados com o Peru como o país com a maior porcentagem de adultos analfabetos e, em termos absolutos, o Brasil é o oitavo país com o maior número de analfabetos do mundo.Como demoramos muito a pôr a educação na agenda pública, tenta-se tirar esse atraso com políticas que em outros países estão fora da pauta - ou por já fazerem parte da política há décadas ou por terem sua ineficácia comprovada. Apenas 13% dos alunos brasileiros estudam em tempo integral; somos um dos campeões mundiais de repetência, com apenas 67% dos jovens de 16 anos com o ensino fundamental completo; não temos um currículo nacional que possa guiar a formação dos professores, a avaliação, a gestão pedagógica das escolas. Esses exemplos são apenas algumas das tantas questões ainda não resolvidas na segunda década do século 21.Ainda patinamos com a continuidade da descontinuidade, com o uso político-eleitoral da educação, com o descompromisso da sociedade - sim, nós também somos responsáveis - e dos gestores públicos. E para dificultar, investimos pouco por aluno e gerimos mal esses escassos recursos.É inegável que avançamos em termos quantitativos, mas em que medida esse avanço realmente nos tem levado a uma educação de qualidade e mais equitativa?Em termos de aprendizagem, os avanços são muito tímidos. No ensino médio temos graves retrocessos. Isso pode ser ainda mais alarmante se analisarmos a qualidade como a garantia de a educação estar preparando nossos jovens para uma sociedade cada vez mais complexa, para um mercado de trabalho mais competitivo e exigente. Muitas outras habilidades são exigidas além do domínio de conceitos básicos da matemática e da língua portuguesa - habilidades importantes para a vida, como saber se comunicar, argumentar e debater; analisar, criticar e usar novos dados e informações; extrapolar ideias e conceitos; usar a tecnologia para expandir projetos; inovar constantemente.A educação formal, a que se dá nas escolas públicas e privadas e no Brasil é obrigatória dos 4 aos 17 anos, só faz sentido se for pensada e desenvolvida para preparar nossas crianças e nossos jovens para o mundo em que eles vão viver, bem aqui, no século 21. Ainda persistimos num modelo que foi adequado para outro tempo e, além do mais, atendia a uma pequena parcela de crianças e jovens, apenas os da elite.Esta ambição é que nos falta, a de realmente promover mudanças substantivas para alcançar uma educação de qualidade para todos: rediscutir a formação de professores e seu novo papel na sala de aula, na escola e na vida dos alunos; avançar com novas abordagens pedagógicas, com novos tempos e espaços de aprendizagem nos quais os alunos possam desenvolver suas habilidades e seus projetos; definir um currículo nacional que abranja as competências básicas de matemática, ciências e língua portuguesa e também abra a possibilidade para novas aprendizagens e para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais; ter mais flexibilidade de conteúdos e disciplinas, principalmente no ensino médio; articular a educação formal com a sociedade e com o mundo do trabalho, rompendo o isolamento das escolas. Enfim, uma educação que realmente faça sentido agora e no futuro.Apenas aumentar os anos de estudo já não basta para promover o crescimento de uma nação, nem para melhorar significativamente a vida das pessoas. Para conquistarmos, além da quantidade, a qualidade de que precisamos - a qualidade adequada aos tempos atuais e aos desafios do País, para os jovens que vão em pouco tempo ingressar na vida adulta -, teremos de promover um debate muito mais arrojado e contemporâneo. E, muito mais que isso, precisamos de gestores capazes de pôr em prática as ações necessárias para que tudo isso ocorra, tirando o atraso do nosso Brasil e fazendo com que todos nós avancemos rumo a uma nova sociedade, muito mais rica, justa e feliz.Fica aqui a sugestão aos candidatos à Presidência da República - e aos governadores dos Estados, senadores e deputados eleitos - para que apresentem propostas corajosas e se comprometam a romper de vez com o Brasil do século passado.
*Priscila Cruz é mason fellow na Harvard Kennedy School of Government e diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação

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